domingo, 29 de julho de 2012

Do comer e beber, Rio 1906



«A exposição de quadros de Malhoa aberta em 4 de julho de 1906 foi amplamente resenhada na imprensa brasileira antes, durante e depois de seu acontecimento. Grande evento de consagração do pintor português no Brasil, sua realização proporciona ao estudioso da arte portuguesa e brasileira uma oportunidade ímpar para debater as mútuas relações desenvolvidas na produção artística de ambos os países de fins do XIX e início do XX, sobretudo aquela que gira em torno do chamado naturalismo. Malhoa já havia participado de exposições no Brasil desde 1879[0], mas a de 1906 é a que mais destaque obteve na imprensa brasileira, fato que reflete a importância de tal certame, ao qual compareceu, na cerimônia de abertura, o presidente da República do Brasil, Rodrigues Alves. Organizada no Real Gabinete de Leitura Português[1],  contou com 112 obras[2], sendo que dela resulta a importante aquisição de As cócegas, pelo Estado, incorporado ao MNBA-RJ por esforço do escultor Rodolfo Bernardelli (que outorga ao pintor, como diretor da ENBA, o título de Membro Honorário daquela instituição em 1906), além de aquisições para as coleções de particulares no RJ. A exposição no Real Gabinete é somada a banquetes oferecidos ao artista, no Hotel Paris[3], bem como ao fim do elegante passeio ao Sumaré[4], em que comparecem personalidades da vida carioca[5]. Toda essa agitação é testemunho da grande importância que a presença do artista assume para a comunidade artística e cultural brasileira… »

Como ando muito atarefado com outras coisas, aproveito-me do trabalho dos outros. O texto introdutório é da minha amiga Fernanda Pitta – de pouco serviu, e se havia de ir pró lixo… recicla-se aqui. As notas, só para precisar algumas passagens, são minhas.

fotografia de Luiz Canêdo


Faz hoje anos, a 29 de Julho, que se realizou o tal passeio ao Sumaré. Dele fica a foto de grupo - com esta e com a lista de convivas[6] podíamos promover um concurso: “descobre quem é quem”...

Também os menus do banquete do Hotel Paris, a 4 de Julho, à mão desenhados um a um[7], recordam toda a pompa que rodeou a inauguração da Exposição.


E chegaram até hoje mais uns outros cardápios, personalizados com os nomes de Joaquim e José Malhoa - a coisa deve ter sido bem chic - mas a data, 12.7.1906, não a encontramos, pelo menos à primeira, entre os vários eventos de que temos notícia. E, ou haverá algum erro, ou mais um belo almoço ou jantar apaparicou a estadia de Malhoa no Rio.


Contudo, olhando em pormenor para as ementas, ficamos preocupados – grande parte das iguarias repetem-se - parece que o alimentaram a badejo, espargos e perú. O que não sendo mau, já devia enjoar…

Ficam ainda mais umas notas tiradas da imprensa da época relativas a outros comes e bebes e festanças ofertadas a Malhoa durante a sua estada carioca. Logo após a inauguração da Exposição, a 9 de Julho, uma récita muito lusitana no Teatro Apollo[8], com peça de D. João da Câmara, versos ditos pelo Actor Brazão e discursos elogiosos de Silveira e Coelho Netto. Pouco depois, a 17, um «almoço intimo na Sociedade Portugueza de Benificencia»[9] entre o comendador Prista, os manos Malhoa e Julião Machado, a alma de toda a visita e em casa do qual Malhoa se hospedou. Por fim, pouco antes do regresso a Lisboa, a 5 de Agosto, para a despedida, mais um passeio muito social à Tijuca com o repasto da praxe[10].
Discursos, elogios, impressões e ambientes são também amplamente noticiados. Mas isso só mesmo lendo as publicações da época.


29 Jul. 2012. LBG.


Com a pressa, esqueceu-me isto: o convite do Comendador F. Casemiro Alberto da Costa para o almoço no alto do Sumaré.




Peço desculpa, mas já não irão a tempo de darem a V. participação...

17 Ago. 2012. LBG.



[0] Trata-se da «Exposição Portugueza no Rio de Janeiro em 1879». Na «Revista» dessa exposição, «fundada pelo Dr. Domingos J. B. de Almeida» e editada no Rio nesse mesmo ano, podemos confirmar que a José Malhoa foi concedido um «Diploma de Menção Honrosa» no «1º Grupo», referindo-se ali apenas «Quadros a oleo». 
Na mesma revista pode ainda ler-se (p.274): «Dos artigos de bellas artes nenhum se pôde vender, por causa dos altos preços marcados pelos artistas, preços aggravados ainda pelos fortes direitos com que a tarifa alfandegaria do Brazil sobrecarrega esta classe de productos». Todavia, ficamos a saber que a S.M. o Imperador do Brasil foram ofertadas algumas da obras expostas: «Um quadro a oleo representando o hiate Syrius de S.M. El-Rei de Portugal, offerecido pelo expositor e auctor Sr. Luis Ascencio Thomazini», e a estátua em mármore de Carrara representando «Sapho», de José Simões d'Almeida Júnior, galardoada com um «Diploma de Medalha de Ouro», e que foi «offerecida pela Commissão da Exposição Portugueza no Rio de Janeiro». 
Voltando a Malhoa. Maria João Neto, no seu artigo «A Exposição Portuguesa no Rio de Janeiro em 1879 | Ecos de um Diálogo entre Arte e Industria» publicado em Oitocentos | Intercâmbios Culturais entre Brasil e Portugal | Tomo III - UFRRJ, Rio de Janeiro, 2013, por sua vez, diz-nos: «Nesta que seria a sua estreia em terras brasileiras, Malhoa apresenta uma obra intitulada "A praia do Alfeite", para a qual, muito provavelmente, fez alguns esquissos que hoje estão no Museu, com o seu nome, nas Caldas da Rainha». Ficamos sem saber muito bem qual a obra a que se refere e quais as fontes em que se baseia, mas regista-se a nota. [10.1.2015]


[1] «Real Gabinete Portuguez de Leitura», na designação e grafia da época.

[2] Sobre isto, emenda-nos Malhoa: «…- Cataloguei 112, mas á ultima hora só pude levar commigo cento e quatro, por me tornar completamente impossível acabar os oito que faltavam. – Em que dia chegaram ao Rio? – A 10 de junho, sendo inaugurada a exposição a 4 de julho, um pouco tarde, porque o Presidente da Republica fôra convidado a inaugural-a e porque só passados alguns dias o podia fazer…» - excerto de uma entrevista a Malhoa, já regressado a Lisboa. Infelizmente é impossível identificar a origem do recorte de jornal. Sublinhado nosso.
[nota posterior] Trata-se, afinal, de uma entrevista publicada no Jornal da Noite de 30 Agosto 1906. Agradeço a Arthur Valle a ajuda no deslindar deste enigma. [12.7.2014]

[3] «Na mesma noite do dia da inauguração da exposição offereceu a directoria do Gabinete Portuguez de Leitura um banquete a José Malhôa, no salão especial do hotel Paris, que n’aquella noite foi especialmente ornamentado de flores, sendo armada, para o banquete, uma meza em forma de Z, para cerca de oitenta talheres. Esta meza foi tambem ornamentada com um bom gosto muito sobrio e muito chic.» in Portugal Moderno, Julho 1906

[4] «Pouco depois das 10 horas da manhã, em bonds especiais da Ferro-Carrill Carioca partiram os convidados para o Sumaré (…) os excursionistas ao meio-dia chegaram ao alto do Sumaré; depois de tiradas por amadores algumas photographias que recordarão para sempre o inesquecível dia de hontem, Os convidados entraram num elegante e amplo barracão construido de madeira, dando pelos dous lados para espaços abertos de onde a perder de vista se divisam encantadores panoramas. O barracão é quasi completamente occupado  por um restaurante, estylo allemão, onde havia sido armada a mesa de um almoço para 50 ou 60 talheres (…) Ao champagne o Sr. Commendador Casemiro Alberto da Costa offereceu  a festa ao Sr. José Malhôa (…) Fallou depois o Sr. Olavo Bilac cuja palavra proporcionou aos assistentes momentos de emoção…» in Jornal do Commercio, Rio, 30.7.1906

[5] «Nessa ocasião, um cardapio que deu volta á mesa recolheu as seguintes assignaturas que deixamos annotadas na ordem em que foram escriptas: Mlle. Adelia da Cunha Vasco, Visconde de S. João da Madeira, Madame Cunha Vasco, Francisco Casemiro Alberto da Costa, Madame Santos Carvalho, Viscondessa de S. João da Madeira, Commendador João Reynaldo Faria, Mlle. de S. João da Madeira, João dos Santos Carvalho, Mlle. Bebé Azevedo, Arthur Azevedo, Rodolpho Bernardelli, Madame Arthur Azevedo, Madame Francisco Guimarães, Madame Casemiro Alberto da Costa, Fillinto de Almeida, Madame Julião Machado, Francisco Guimarâes, Madame Vasco Abreu, Raul Pederneiras, Mlle. Marta da Cunha Vasco, Gonzaga Duque, Julião Machado, Albano Filinto de Almeida, Commendador Canedo, Olavo Bilac, Belmiro de Almeida, José Barbosa, Vasco Abreu, Antonio Augusto Ferreira, Antonio Ferreira Botelho, João Lopes Chaves, João Baptista da Costa, Frederico Wincker, José Maria da Cunha Vasco, Joaquim Malhoa, Antonio Braga, Antonio V. C. Guimarães, Coelho Cabral, Mujia Linares, Mlle. Iracema Guimarães, Mlle. Anna da Cunha Vasco, Alfredo Guimarães, Mlle. Mathilde Guimarães, Mlle. Adelia da Cunha Vasco [repete, sic], Mlle. Irene Guimarães» idem.

[6] Ver nota precedente.

[7] Destes, existe um terceiro exemplar no Museu José Malhoa, Caldas da Rainha.

[8] «Com uma numerosa assistencia, realisou-se hontem o festival organizado em homenagem a José Malhôa. O elegante theatro da rua do Lavradio apresentava um bello aspecto, ornado de festões e folhagens, notando-se na platéa todo o mundo elegante da nossa cidade. Representou-se a deliciosa peça de d. João da Camara, Os velhos, que provocou prolongados e enthusiasticos applausos. Conforme estava annunciado, nos intervallos usaram da palavra o conhecido orador Eugenio Silveira e o fino estheta da palavra Coelho Netto…» recorte de jornal do Rio não identificado, de 10.7.1906. 
O anúncio, esse é do Correio da Manhã do dia anterior, 9.7.1906. 



[9] «A convite do commendador Prista, o distincto artista José Malhôa almoçou hontem, em companhia de seu irmão, o Sr. Joaquim Malhôa e do nosso companheiro Julião Machado, no edificio da Real Sociedade Portugueza de Beneficencia.» in O Paiz, Rio, 18.6.1906

[10] «Conforme estava annunciado realizou-se ante-hontem o passeio à Tijuca, offerecido ao pintor José Malhôa pelo Gabinete Portuguez de Leitura (…) Chegados ao Alto da Boa Vista, os convidados tomaram logares em seis carros tirados a quatro e seguiram para o Excelsior. D’ahi foram em visita á gruta de Paulo e Virgínia, regressando então para almoçar ao hotel White…» in O Paiz, Rio, 7.8.1906



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