sexta-feira, 23 de novembro de 2012

O «Retrato do Sr. P. D. A. C.»

ou, em linguagem malhoesca,
como “elas” se criam…


Podia vir pra’qui mostrar-me surpreendido por, segundo o próprio autor, aquilo-que-era-para-ser-afinal-já-não-é-bem-assim-mas-continua-a-chamar-se-como-era–para-ser-e-afinal-não-foi. Chamemos-lhe, pois, a coisa. Ficamos também a saber – valha-nos isso – que fazer ou não parte da coisa, tanto faz. Que, diz-nos o autor – por uma vez modesto – não põe as mãos no fogo pelo que deixou de fora quer, mesmo, pelo que lá meteu dentro. Ainda bem. E, nisto, totalmente de acordo.
Podia vir pra’qui chorar a minha tristeza por, logo um dos que respondeu à chamada do Poeta - «…Qu’é dos Pintores do meu país estranho | Onde estão eles que não vêm pintar?» - logo um dos que antecipa um outro poeta - «…Aromas de urze e de lama | Dormi com eles na cama | Tive a mesma condição…» -, um Pintor assim, tão ligado à terra e suas gentes, continuar tão mal entendido. Confundir A morte do porco – Que grande calamidade! – Uma desgraça [1] – o registo duro de uma das maiores tragédias que pairam sobre a dura vida camponesa, com uma eventual «A Matança do Porco» - a ocasião de festa, de partilha, mais não seja a de tirar barriga da miséria quotidiana – é confundir tudo! É não olhar, não ver, não entender, nada querer saber do que Malhoa pinta. Bem podem depois vir com um alqueire de erudição, dois almudes de literatura estética… o mosto morreu, dali já não brota espírito! Maleita usual quando almofadinhas pipis falam d’alto do que não sabem, nem querem saber, porque lhes cheira demasiado a suor ou a estrume.
Podia vir pra’qui alardear a minha incredulidade por quem há um par de anos desfraldava a baeta vermelha da saia da Adelaide com definitiva consigna, venha agora pespegar a “outra”, a ex-bastarda, na capa do novo manifesto. E sem uma palavra, sequer um postalinho – como diria o outro - revisionismo e pim! Perdão, há por lá uma justificativa, argumento pífio, próprio de sargento lateiro - «a antiguidade é um posto!». Quanto ao resto, disse nada. Noblesse oblige, pum!
J.Malhoa fotografado por Carlos Relvas.
C. 1880/1885
Podia vir pra’qui exasperar-me por causa daqueles Nus [2] que continuam desgraçadamente atirados para o ano dos prodígios de 1918 – pura e sómente à custa de fofoca mal lida em correspondência alheia… Já os olhou? já os viu? já entendeu alguma vez tais quadros? «Não vale a pena! – diria Relvas, o velho Carlos, que disto percebia ele – quando ganham a crença nas cartas, digo, nas tábuas, de nada vale citá-los de largo…».
Podia vir pra’qui tentar resolver o paradoxo do quadro [3] comprado pelo R. Bernardelli ao Guilherme Rosa em 1902, só vir a ser pintado três anos depois. O meu amigo A. B. bem que explicou, o autismo não deixou.
Podia vir pra´qui estranhar a colecção de batatas da Dona Amélia - ele são paisagem com batatas, ele são batatas de género… - Sua Magestade era grande mas não comeria, por certo, tanto puré. Não será, afinal e mais uma vez, um só e o mesmo quadro? Crepúsculo, c.1891 [4]. Aquele que Fialho dizia, com a pilhéria do costume, ser um «Angelus de Millet com menos unção e mais batatas» [5]. O milagre da multiplicação dos quadros continua vivo. Aleluia!
Podia vir pra´qui com mais uma data de coisas [6], que a coisa é mesmo assim. Anunciam-nos uma espécie de Mercedes catita, de capa dura, daqueles para durar umas dezenas de anos, e um tipo, ainda não chegou ao fim da rodagem, já a cada meia dúzia de páginas tem as luzinhas encarnadas do tablier a piscar… se fosse mesmo da casa de Estugarda, andavam era a recolher os exemplares todos de volta.

Podia tudo isto, mas não. Que, afinal de contas, era coisa previsível. E o júbilo pelo que vem a seguir, tudo relativiza. Animemo-nos com a boa nova.


Podemos, finalmente, deitar fora os velhos catálogos desirmanados da Promotora, todos os do Leão com as dedicatórias do Alberto meias roídas pelos ratos, os do Grémio esbandalhados e de folhas soltas, os da Sociedade mais ou menos na mesma, os de Paris traçados e mal cheirosos, os de Madrid, do Rio, de Buenos Aires… tudo lixo! A coisa nasceu para nos salvar! Daqui em diante «cesse tudo o que a Musa antígua canta» pois, com quatro letrinhas apenas e mais outros tantos algarismos, temos a Obra ao alcance duma mão! Estudiosos, historiadores, doutores ou aprendizes, coleccionadores, antiquários e leiloeiros, conservadores ou progressistas, técnicos, profissionais ou amadores, todos confiaremos na coisa, que a coisa nos elucidará.


Quase ao acaso, tomemos este belo exemplo que nos revela uma obra quase desconhecida de Malhoa: o «Retrato do Sr. P. D. A. C.», 1902. Com a devida vénia, reproduz-se (à má fila) a ficha impressa. Admiremos.
Um grande retrato de Malhoa! Há dois anos [7] deram-lhe o nome, agora, finalmente, mostram-lhe a cara – e que cara!

Comecemos pelo retratado. Quem é o distinto cavalheiro? Quem será este «Sr. P. D. A. C.»? Com direito a retrato, nome, sobrenome e duplo apelido de família?

Colaboremos então, alegres e contentes, em tão grada descoberta. Numa aturada pesquisa, que me levou para mais de onze minutos, cheguei à conclusão que estaremos perante um destacado membro da família Andar Calado – família de grande respeito, possivelmente com brasão num dos tectos de Sintra ou, pelo menos, no do O’Neill, em Cascais (logo que me lembre tenho de perguntar ao Z. A.). Depois, também descobri que o sobrenome será Deveria, que advém de homenagem a antepassado de exemplar correcção cívica. Por fim, e aqui é que hesito, não sei se se trata do primeiro da linhagem – Comendador do Chico-Espertismo – ou do seu primogénito – Barão d’Aldrabice – e cujos nomes de baptismo serão Parvô e Pallerma, ambos de origem itálica. De qualquer modo estaremos, muito provavelmente, perante o «Retrato do Sr. Parvo Deveria Andar Calado». Um quadro novo na fecunda obra malhoesca. E só agora, em definitiva publicação, revelado ao povo e explicado às criancinhas.
Surpresos com o meu descaramento? Estou a ser injusto? A besta do costume? Já sei.

Vejamos então como a coisa surge, «como “elas” (as parvoeiras) se criam…» - parafraseando um título mais tardio de Malhoa.

Antes que vão para a reciclagem azul, recuperemos umas folhinhas do Catalogo Illustrado | Sociedade Nacional Bellas Artes | 3ª Exposição 1903 - Sociedade então encabeçada por Columbano, que também presidiu ao Júri de Admissão da referida mostra. Ei-las: a página 26 do catálogo, referente às obras de «Pintura a óleo» de Malhoa (expôs então ainda uma outra na secção «Pastel»), e uma das gravuras que ilustram a publicação, a que apresenta a fronha do presumível «Sr. P. D. A. C.». Olhai, vede e entendei!


Comecemos pela escrita. Encontram ali alguma obra com tal título? Não. O mais parecido com o que a coisa diz, será o «106 – Retrato do Exmº Sr. P. da C.». Que se passou? ‘Tá-se mesmo a ver: como é gente fina e P. da C. é simplérrimo demais, vá de desconstruir e recompor a coisa - nome, sobrenome e duplo apelido de família, é bem mais consentâneo. E pronto, a contracção da preposição com o artigo definido ganhou asas e voou, o simples «da» passa a «D. A.». A isto chama-se rigor e estudo metódico. Não é bem a verdade, mas que importa? Assim é que é bonito.


Vamos agora à imagem - a original de 1903. Conseguem ler a legenda? Que diz? «Cabeça de estudo | José Malhôa». Então? Não será que o tal «retrato em busto de cavaleiro antigo com pescoço “afogado” em gola de caça,… e “barba Henrique IV”» é, afinal de contas, o «99 – Cabeça d’estudo – 0,37x0,44 – 180$000 réis»? Poderia parecer, mas o rigor e o método apontaram para que assim não fosse: ou porque munido de novas e rigorosas medidas, «455x385 mm», o rigor imperou - aquele centímetro e meio a mais deverá ter sido fatal – ou, simplesmente, porque sim. Deu-se nova epifania.


            Vejamos mais uma imagem. Eis a reprodução de parte das páginas centrais de o Occidente, nº878, de 20 de Maio de 1903, revista de referência na época, dirigida por Caetano Alberto, e a que junto mais um pequeno recorte retirado da mesma.
Como se pode concluir: eu, o Columbano - afinal o responsável pelo catálogo da SNBA - e o Caetano Alberto, somos umas grandessíssimas bestas. Fico em muito boa companhia, reconheço.


 Vejamos, por fim, o que nos diz António de Lemos em Notas d’Arte – citado pelo autor da coisa a propósito de Que grande calamidade! (Lemos, 1906). Se o autor da coisa tivesse lido umas páginas mais à frente, p.50, onde A. Lemos escreve a propósito desta 3ªSNBA e do tal quadro de Malhoa, leria isto: «E, deixei para o fim o nº 106, que, embora eu esteja em erro, é para mim um dos trabalhos mais fulgurantes do grande artista.| Aquelle retrato de mulher, com elegancia finissima de palmeira, desenhada com uma distincta correcção de linhas e colorida com um mimo especial de carnação, que palpita, fez-me sentir o grande desejo de me curvar n’uma postura palaciana e beijar respeitosamente as pontas d’aquelles dedos, que tão despreocupadamente pousam no teclado do piano.| Este quadro é para mim d’um encanto inexcedivel. E que me perdôe o artista se eu não soube dizer d’elle o que elle merecia».
Afinal sempre há um erro no catálogo da 3ªSNBA. O quadro nº 106, conforme nos descreve o embevecido Lemos, será por certo o Retrato de Maria Bravo, que tocava piano e falava francês…. E se trocas houve, elas são entre o nº 107 - Retrato de M.me M. B. e o nº 106 – (no final das contas) Retrato da Ex.mª Sr.ª P. da C. (Dona Teresa Pereira da Costa), o «premiado na exposição de Madrid» e o que aparece nas gravuras e no texto de o Occidente identificado como «M.me M. B.». Fica entendido?

Confusões, só aquelas. Que o nº 99 - Cabeça d’estudo - nada tem a ver com isso. É, definitivamente, o «retrato em busto de cavaleiro antigo…». Como sempre disse eu, o catálogo e o Occidente. Está bem e recomenda-se.

Bom, o que nos revela este estudo de caso? – Ah! e tal… coitado, a coisa era confusa, enganou-se… - dir-me-ão umas boas almas. Não, minhas queridas, nada disso! Tanta asneira numa só é mais que isso: ou grande desleixo e muita bandalheira, ou chico-espertismo do mais rasca – baseado no velho princípio «o esperto sou eu, o resto uma cambada de estúpidos; se não sei, inventa-se uma merda qualquer (é este o termo exacto) que a turba ignara logo há-de engolir…». O costume.
Apetece dizer «A mim não me enganas tu» - citando o velho e respeitado jornalista, escritor e poeta Guilherme de Melo. Que aqui saúdo.


Voltando à Cabeça d’estudo, 1902, que não tem culpa alguma. Trata-se de mais um dos retratos que Malhoa executa tendo como modelo o amigo e colega Manuel Henrique Pinto. Como se pode ver e entender aqui e aqui e, se dúvidas houver, comparar com algumas fotos de Pinto.

Foi propriedade do Dr. V. C. [8]. Por morte deste, passou à família do Dr. A. A. (por mera coincidência, irmão do meu bisavô Joaquim – como quase toda a gente, tenho quatro). E se agora têm esta foto a cores para escrevinhar  umas tantas tolices, bem podem agradecer ao menino que há cinco anos telefonou à querida prima R. a pedir para o amigo P. A. lá o ir fotografar. Não lhe ponho a vista em cima há perto de meio século, mas, do que recordo e pelo que consigo ver numa foto de boa resolução, tenho cá na ideia que é uma tábua e não tela [9], ao contrário do que a fichazinha manhosa agora indica. Coisas.


Como vai sendo o tempo: saúde e um santo Natal...

JMalhoa. Que Frio! 1912.
Cartaz impresso.  «Brinde de O Commercio do Porto Illustrado | Natal de 1912»



23 Nov. 2012. LBG



[1] Sobre estes quadros Malhoa esclarece nos seus apontamentos pessoais: «Pintei n’este ano em Figueiró, o quadro “a córar a roupa” que vai figurar na exposição de Paris, e “Uma desgraça” (a morte do porco) […] José Malhôa, 31 Dezembro 1899.»
No Catálogo da 1ªSNBA, 1901, tal quadro aparece referido como «76 – Uma desgraça – 225$000 réis» e é reproduzido em gravura (sempre sem exclamação!)
Em Julho de 1901, Malhoa anota a sua venda: «[dia] 2 - Venda do quadro “A morte do porco” ao Lambertini – 150$000» (isto confirma as correspondências ali referidas, mas também a venda a preço de saldo)
Depois, passados cinco anos, no Catálogo da Exposição de Malhoa no Rio de Janeiro, 1906, aparece um título igual «21 – Uma desgraça» (ainda sem exclamação!)
Então, Malhoa anota a nova venda: «Agosto de 1906. Junho 29 – Exposição no Gabinete Português de Leitura no Rio de Janeiro – Preço porque vendi os quadros em moeda brazileira – […] 21 – Uma desgraça! - Dias Garcia – 2:000$000» (uma bela quantia, pois ao mesmo Dias Garcia a segunda versão de «19 - Amanhã os arranjarei!» custou apenas 800$000. E aqui já Malhoa acrescenta a exclamação!)
Não será difícil de perceber que, como aliás é habitual em Malhoa, estaremos perante duas versões do mesmo tema – Uma desgraça! (A morte do porco). Trazer para aqui uma qualquer «Matança…» é despropositado e revelador de ignorância quanto ao acto em si, à língua pátria e ao que Malhoa pintou…

[2]  Este e mais o outro, comentados aqui e aqui.

[3]  Um destes, nesta história aqui contada.

[4]  Prometo, um dia e quando para aí estiver virado, mostrá-lo aqui – a preto e branco - pois é outro das colecções reais que levou sumiço. E aqui está ele.

[5]  Preguiçoso que sou, cito de cor, mas é mais ou menos assim.
Em tempo, e na verdade, para ser preciso: «...e quanto ao Crepusculo, é um pot-pourri do Angelus de Millet, com menos uncção religiosa, e mais batatas.», in Os Gatos, 14 de Março de 1892.

[6]  Para além desta e mais estas.

[7]  Na verdade não foi há dois anos, sabemos isso. Mas «tão ladrão é o que vai à vinha como o que fica d’atalaia»...

[8]  Nesta mesma 3ªSNBA, Salgado pintou-lhe a mulher.

[9]  E não é que é mesmo?! Que a minha memória de bibe e calção acerta mais que uma década de aturado estudo?! (6 Dez. 2012)

...

Só mais uma coisa

Do mesmo catálogo de 1903 – que, obviamente, já não posso mandar p’ró lixo – respigo mais isto: a gravura do «97 – A descamisada – 0,71x0,58 – 425$000 réis». Gravura que também falta à coisa e afinal ali estava, mesmo à mãozinha de semear. Depois – ah que é trabalho exaustivo – tá bem abelha!
E a cores também a podiam ver aqui ou ainda ali, que sou generoso e partilho com quem merece.


23 Nov. 2012. LBG

domingo, 11 de novembro de 2012

O mistério do homem do gorro

Epístola aos crédulos


Anda a Igreja Católica, muito antes de Santo Agostinho, a tentar explicar o Mistério da Santíssima Trindade: a consubstanciação das Três Pessoas – Pai, Filho e Espírito Santo - n’Uma só.

Eu, bem mais modesto em meus propósitos, ando há quase um ano a tentar explicar que L’homme au capuchon, o Retrato do Exmº Sr. António Novais, e O Homem do gorro, 1901 – títulos segundo os catálogos do Salon 1901 (nºc.1369), SNBA 1902 (nºc.60), e Exposição Malhoa 1928 (nºc.33) – são uma e a mesma coisa. Mas parece que não há meio…!?
Com paciência de santo, tentemos de novo. Que uma publicação «razoável» teima em contrariar…


Comecemos pelo princípio – e no princípio era o verbo.

Escreve Malhoa, pelo seu próprio punho, no seu livro de «Receita e Despeza»: «Março de 1901- Despeza com a ida [refere-se, obviamente, ao Salon] dos dois quadros, “Volta da Romaria”, e “L’homme au Capuchon”, retrato do Antonio Novaes; e do retrato da D. Thereza Pereira da Costa, e retrato do D. Emilio Godinez pª a exposição de Madrid – 124$500» (sublinhado meu).
Pelo próprio Autor da obra, ficamos a saber do que se trata.

Chega? Não? Continuemos.

Diz-nos um célebre artigo, muito referido mas que parece ninguém leu, publicado logo em 1905, em The Studio [1]: «…The Man in the Hood, also of 1901, is one of the most striking of the master’s works; to prevent its leaving the country it was acquired by a group of artists and amateurs, who presented it to the nation for the National Museum...» (vai no inglês original, por causa de alguma falha na tradução, e a parte citada é de um dos últimos parágrafos, sobre as participações de Malhoa nos Salons internacionais entre 1897 e 1902). Note-se a referência à movimentação de artistas e amadores para a sua oferta ao Museu Nacional – episódio conhecido no que toca ao Retrato de Novais… Mais uma vez e para quem queira ver, confirma que se trata do mesmo quadro.

Ainda não chega? Vamos às Imagens – que não somos iconoclastas. E as imagens, quando não manipuladas, não mentem.

Mais abaixo podemos ver duas fotos da Grande Exposição de Homenagem a José Malhoa, realizada no salão da SNBA em 1928.
Contrariamente ao que muitas vezes é levianamente escrito, no Catálogo da Exposição [2] nunca é mencionada a presença do Retrato do Novais – nunca! Nem entre os 132 «Óleos», nem nos sequentes 14 «Retratos», tão pouco nos restantes 5 «Pasteis» ou entre 10 «Retratos» a pastel - o total das 161 obras catalogadas. Retrato do Novais, enquanto tal, não consta!
Como não consta em nenhuma das 98 estampas numeradas ou nas duas que abrem e fecham o livro!

            Aliás, é bom que se esclareça que muitas destas estampas nada têm que ver com as obras presentes na Exposição – são fotos, algumas únicas e portanto preciosas, que Malhoa guardara ao longo da vida, de muitas das suas obras. E, sem ser exaustivo e olhando só as primeiras vinte, logo notamos que À Missa das seis, Os Ouriços, Cócegas 1894, A Sesta (dos ceifeiros), A Olinda do lagar, com direito a belas fotos, são obras que não constam no catálogo, e que as fotos de Os Oleiros e de À passagem do combóio são as dos quadros que jaziam no fundo do Mediterrâneo ia para três décadas… Bom será, portanto, que se não confundam os bonecos com o conteúdo da Exposição.


O que encontramos registado no Catálogo da Exposição, com o nº 33, é «O Homem do gorro, T. [tela] 63x50 - 1901. Museu de Arte Contemporanea».
Alguém já se interrogou sobre que quadro seria este e como, se por hipótese fosse outra coisa qualquer, pode haver desaparecido do Museu? Não? Pois não, porque o quadro é este – este que aqui vemos na dita Exposição, ao lado de Dar de beber a quem tem sêde, (nºc.103) – o Retrato do fotógrafo António Novais, sem tirar nem pôr, sempre foi O Homem do gorro (nºc.33).

É por isto que a historiografia “oficial” do Retrato de Novais refere sempre, e bem, entre as exposições em que esteve presente, esta de 1928 – no meio da confusão… algo acaba por estar certo - nunca lhe consegue é atribuir um nº de catálogo - porque será? Falta-lhe sempre é o Salon de 1901 - falta importante, pois é aquele onde Malhoa recebe a Mention honorable, se bem que atribuída a Le retour de la fête. A dita historiografia “oficial” também nos descreve o Retrato de Novais deste modo: «Retrato de um amigo do pintor em busto de frente, de barba e bigode aloirados, vestido de negro sobre um fundo escuro, envergando uma capa nos ombros e um gorro de recorte renascentista na cabeça...» (o sublinhado é meu).

Porque - e esta é a verdade - L’homme au capuchon, o Retrato do Exmº Sr. António Novais, e O Homem do gorro, 1901, são uma e a mesma coisa. Diz o Malhoa, digo eu e dirá quem pense duas vezes.
Está bem e recomenda-se. No Museu de José Malhoa, nas Caldas da Rainha.



Já agora, que aqui estamos com estas fotos na frente, aproveitemos para confirmar uma outra história. História já antes explicada aqui e que, num momento de caridade cristã, tentei pessoalmente explicar a determinada criatura. Como, pela segunda vez, ao que lhe digo, faz precisamente o contrário, e o Senhor só nos ensina a dar por duas vezes a face, fica cumprido o preceito.

Vamos aos factos.
No mesmo Catálogo de 1928, lá aparece, com o nº 74, «Provocando. T. 70x80 – 1914. Ex.mº Snr. Cruz Magalhães».
Entre as estampas, encontramos com o nº XXXIV, Provocando, e com o nº XLI, A Provocante.



E qual destes quadros - como antes explicado, atreitos a trapalhação - esteve na dita Exposição de 1928? Qual? – Ó para ela ali, entre a segunda versão de Basta, meu pai! 1910 (nºc.55), mais dois outros quadrinhos difíceis de identificar, e À sombra da parreira (nºc.121), a serigaita atrevida de A Provocante, 1914 - afinal, o nºc.74, esta e não o outro - toda contentinha a olhar para nós!

Como é evidente! E como tudo indicava: a propriedade de Cruz Magalhães; as mediadas, então usadas ao invés, mais não seja a diferença de proporções entre uma coisa quase quadrada ou um rectângulo franco; a data e a confusão do título, que “oficialmente” ainda hoje continua trocado! Para quem quisesse pensar só um bocadinho…

Mas não! Uma "razoável" inteligência lucubrou durante uma década e permite-se agora afirmar quanto a esta tela, apesar de reconhecer as trocas de títulos - «Embora venha reproduzido no Catálogo de 1928, não fez parte da exposição» - e, quanto ao outro pequenino retrato vendido no Rio de Janeiro e por terras de Vera Cruz ainda perdido - «Esteve na Exposição de Homenagem, em 1928…», e tem o desplante de o "dar" de barato ao Cruz Magalhães!!!
Francamente! Dá para acreditar? Vale a pena um tipo perder tempo com coisas destas?

Concluindo, e em verdade vos digo: será bem mais fácil uma cabeça de cavalo, ainda que velha e rasgada, entrar no reino do Mestre que, mesmo só em espírito, o de certas cavalgaduras.
E duvidai, duvidai sempre de algo que d'ali venha.


11 Nov. 2012. LBG.

Adenda:

          E, já agora, fica também uma foto de uma das salas do Museu d'Arte Contemporânea, publicada ainda em 1916, onde lá vemos «O Homem do gorro», 1901, a espreitar por detrás dos jarrões...





5 Out. 2015. LBG.



[1] The Studio. London, Aug. 15, 1905, vol.35. nº149. p.246
[2] Que integra o Livro de Homenagem ao Grande Pintor José Malhoa – Realizada, com a exposição das suas obras, na Sociedade Nacional de Belas-Artes em Junho de 1928 – Com 100 reproduções de obras do Mestre e mais 3 ilustrações. Lisboa, 1928

sábado, 10 de novembro de 2012

Mais uma adenda

A propósito do Retrato de Júlia Malhoa, 1883.

Porque parece que ainda há dúvidas, ou há quem não queira ver...
Diz uma recente e douta nota a propósito deste quadro: «Primeiro retrato exposto por Malhoa, se concordarmos com a data atribuída por alguns autores...» e logo a seguir vem mais parvoíce.
Ora, não temos de concordar ou deixar de concordar, e os autores não são alguns - é um - Malhoa, que resolveu assinar e datar a tela: «Malhôa 1883». Como sempre se pode ver ampliando esta mesma foto (canto inferior esquerdo).











Fica percebido?! O resto, diz-nos Ramalho Ortigão.  O que já aqui escrevi. E as parecenças ou «semelhança perfeita» com fotos e outros retratos de Júlia Malhoa - ela mesma.

Dúvidas, se as houver, será sobre quem seja a retratada num desenho a carvão, talvez do mesmo ano (?), alegadamente, e não se sabe bem porquê, que se diz representar Júlia Malhoa (?) ...

Será que não temos olhos na cara?
Depois admiram-se se acharmos que «raisonné», afinal, quer dizer apenas uma coisa pouco mais que «razoável»...

10 Nov. 2012. LBG