terça-feira, 3 de dezembro de 2013

O herói do Mogincual


Neutel Martins Simões d’Abreu (Figº dos Vinhos, 1871-1945), Oficial de Infantaria do Exército Português – Major; apelidado pelos nativos do norte de Moçambique como «Mahon»; nasceu faz hoje 142 anos.

Neutel d’Abreu com a farda colonial de Capitão.
Quadro a óleo, provavelmente pintado em África por autor anónimo, oferta da Família do retratado ao Município de Figº dos Vinhos.
(foto reenquadrada e retocada)












Nasceu na Várzea Redonda em 3 de Dezembro de 1871. Filho de Domingos António Simões e Mª das Dores Martins Ferreira de Abreu.

Aos dezassete anos, a 15 de Junho de 1889, assentou praça como voluntário no Exército. Em 1890 partiu para Macau. Sendo posteriormente (1891) colocado em Angola, Moçâmedes, onde se envolve em campanhas militares, após o que regressa à metrópole.
Aos vinte e cinco anos de idade (1896), com a patente de Sargento, é colocado em São Tomé e Príncipe e, de seguida, volta a Angola onde por motivo de doença (biliosa) é obrigado a regressar mais uma vez à metrópole.
Em 1898 é colocado em Moçambique mas, vitimado de novo pela biliosa, retorna à metrópole. No ano seguinte, já restabelecido, volta em definitivo àquele território, onde acabou por viver as três décadas subsequentes.

Em 20 de Julho de 1900 encontra-se como Comandante do Posto Militar do Mogincual e com o raio de acção limitado à área do forte, pois ali acabava a soberania portuguesa - já que, mal se transpusesse os portões do mesmo, choviam as flechas e os tiros dos nativos rebeldes. Disposto a acabar com este estado de coisas e «imbuído no espírito de Mouzinho de Albuquerque que sempre admirou», lança-se a fustigar os rebeldes acabando por dominar toda a região e desimpedindo as parcas vias de circulação, nos três anos seguintes. Em 1901 atinge o patamar do oficialato, como Alferes.
Envolveu-se nas operações de restabelecimento da soberania portuguesa na zona de Angoche, combatendo as forças de Farelay, em 1903. No ano seguinte é promovido a Tenente. Já nessa altura Neutel d'Abreu tinha sido diversas vezes louvado e condecorado, sendo-lhe reconhecido sempre actos de bravura. Continua a sua actividade militar integrando as colunas que derrotam o Xeque Mamude Amade, o Régulo de Matibane e Quitangonha, e, posteriormente, o Régulo Napipi, na zona de Quinga, em 1904.

Conhecedor dos costumes africanos, apesar da sua postura de militar e colonial, fez em Janeiro de 1907 um pacto de sangue com Mucapera, Régulo macua de Corrane, facto inédito nos anais da história militar portuguesa em solo moçambicano. Tal permitiu-lhe arregimentar, sempre que precisava, centenas de homens do regulado para as várias funções secundárias que as suas campanhas militares careciam, tais como carregadores, combatentes de segunda linha e pisteiros. Sobre este pacto escreveu Neutel d'Abreu:
«Este acto parecerá à primeira vista fantochada, sobretudo para aqueles que não conhecem os usos e costumes dos indígenas. O que é certo é que este acto deu maravilhosos resultados no decorrer da ocupação do Distrito, quer poupando muitos contos de réis ao Estado, quer poupando vidas de soldados, porque, considerando-me o régulo seu irmão mais velho depois da nossa aliança, nunca mais se recusou a fornecer os homens armados que eu lhe pedia, não só centos deles mas até milhares. Estes homens fornecidos pelo régulo Mucapera prestaram sempre relevantes serviços em todas as campanhas em que tomaram parte, quase todas as do Distrito e até contra os alemães do Niassa».

Monumento a Neutel d'Abreu e aos Mortos da Guerra Colonial,
 em Figueiró dos Vinhos.
Localizado ao início da Av. Heróis do Ultramar, enquadrado por um diedro em pedra
com o registo histórico-cronológico do homeneageado,
e acompanhado pelo rol dos figueiroenses mortos na Guerra Colonial.

É nomeado em 1909 Capitão-Mor da Macuana, sedeado no Itoculo, depois de ter soberanizado Nampula (1907) e penetrado, em viagem de reconhecimento, até ao Alto Ligonha, no Distrito de Quelimane. Isto, a par da subjugação dos regulados de Ribaué (30 de Abril de 1908) e Murrupula (1909), permitiu uma melhor interligação e conhecimento de vastas regiões ignoradas do sul e oeste daquele Distrito de Moçambique.
Em 1910, integrado nas operações militares de pacificação do Sultanato de Angoche, trava vários combates contra as forças aliadas a Farelay e Cobula. Após a campanha de Angoche volta as suas atenções para oeste e, a partir de Ribaué, estende a sua acção militar a Malema (1912) e Mutuáli (1913), entre outros povoados, travando combates contra régulos insubmissos, para além de proceder à abertura de estradas e montagens de postos telegráficos.

Em 1916 serviu, como Capitão e no decurso da Primeira Guerra Mundial, as forças do Coronel Sousa Rosa e, em 1917, trava vários combates contra forças rebeldes macondes, nomeadamente em Nacature. Com o findar da Grande Guerra ganha as divisas de Major (1918). Dois anos depois a Junta Geral de Saúde declara-o incapaz de continuar serviço, passando à reforma nesse mesmo ano. Tinha então 49 anos.

Dedica-se à agricultura e, no exercício da sua actividade como colono, promoveu a exploração de palmares no Mogincual. No entanto a sua actividade empresarial não foi tão brilhante quanto a de militar. Falido e doente, é através de ajudas financeiras de amigos que regressa à metrópole em 1930, acabando por não mais voltar a Moçambique. Isto apesar de ter sido convidado a acompanhar o Presidente da República Óscar Carmona na viagem que este efectuou ao território em 1939, e que teve de recusar por motivos de saúde.

Neutel d'Abreu na sua farda de Major e 
com o Colar da Torre e Espada.
Quadro do artista cernachense
Túlio Victorino, datado de 1941,
e que pode ser visto no 
Salão Nobre da Câmara Municipal 
de Figueiró dos Vinhos.


Neutel d’Abreu apresenta ao longo da sua vida de militar e colonial um invejável palmarés de 13 louvores e 11 medalhas, entre as quais a de Comendador da Ordem da Torre e Espada. 

           
Alvo de Homenagem Nacional, em sessão solene realizada na Sociedade de Geografia, em 29 de Junho de 1941. Uma das últimas consagrações públicas tem lugar no 28 de Maio de 1943, na Praça do Império em Lisboa, quando recebe a derradeira condecoração.


Morre dois anos mais tarde, a 8 de Dezembro de 1945, na sua terra natal, poucos dias após completar os 74 anos de idade. «Entra em definitivo na História o mítico “Mahon”, por muitos considerado o grande conquistador do norte de Moçambique».


Cartão de Visita autógrafo de Neutel d’Abreu, 
agradecendo as «palavras de bom amigo» por ocasião «da homenagem que lhe foi prestada», com votos de «saúde e… venturas» 
(c.1941,
frente e verso)












3 Dez. 2013. LBG


Texto transcrito, com adaptações e complementos posteriores, de satanhoco.blogspot.pt
O original pode ser consultado aqui


3 comentários:

  1. Procurava Malhoa e encontrei o seu blog, gostei muito e tenho pena que não continue a escrever...

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    1. Gosto que tenha gostado. E agradeço.
      Como dizia lá em cima «... conforme me der na gana» - e, por agora, não vai dando...

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  2. Espero que retorne, entretanto vou às Caldas visitar o museu de Malhoa que não conheço.

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