sábado, 15 de setembro de 2018

A montanha e o rato (ou vice-versa)

e, já agora, um punhado de trigo-roxo


Vou avisando: este é assunto que pouco ou nada interessa. É peanuts! – como diria o mister. Portanto, se o caro leitor tiver coisa mais útil a fazer, passe adiante e não perca tempo. Agora, se quiser saber com quantos paus se faz uma bateira, se não se importa de se irritar um pedacinho, se gosta das vãs glórias d’o saber, no fundo, no fundo, de quadrilhice mas armada ao pingarelho, venha daí… Não diga é que não o avisei.


Acompanhado de algum alarido – pelo menos na região oeste tão falado quanto a pêra rocha – foi, há tempos, anunciada a 8ª maravilha do mundo no que aos estudos malhoescos diz respeito. E como se a coisa não bastasse, ainda nos ameaçam com mais quatro. Esperam-nos, portanto, da nona à décima-segunda maravilha. Será obra!
O obreiro que esta obrou e, presume-se, as sequentes obrará, foi etiquetado, putativamente e nem mais nem menos, como «o maior investigador atual sobre o homem e o artista» [1]. É também obra!

Passemos adiante sobre o setenário programa das festas que deveriam abrilhantar o lançamento da novidade. E que, à panóplia dos eventos propalados, juntava também um colóquio/visita guiada já antes e por outrem programado (não terá sido por isso, pela apropriação disparatada, que o outro borregou?). Também geograficamente previsto para os três cantos da vasta extremadura malhoesca, e ainda para a derradeira morada, acabou por se ficar pelas cavacas. Acontece.

Vamos lá, então, à sustância da coisa.
O novel é um livrinho com 103 páginas, de simples mas muito agradável apresentação (valha a verdade). O verso do frontispício não esquece a habitual nota sobre a reserva dos direitos e proíbe a reprodução «por todos e quaisquer meios» (pois bem prega Frei Tomás…). Completíssimo quanto às partes: tem «Dedicatória», «Comentário» (do Dantas), «Antelóquio», «Prefácio», e mais um outro pequeno texto (do Coelho Netto); depois o texto propriamente dito dividido em três capítulos (lá iremos); e, por fim, a «Bibliografia Consultada», «Periódicos Consultados», «Arquivos e Bibliotecas Consultados», e «Alguns Dados Sobre o Autor», e finda com o Índice, mas com outro nome. Falta nada.

Nos finais de cada capítulo, e entre os «consultados» e os dados sobre o autor, três conjuntos de seis e um de quatro folhas, num total de 44 páginas, são preenchidas por fotografias ou gravuras, bem impressas a preto e branco, e quase todas reproduzindo registos de Malhoa ou com este relacionados. Muitas já bem conhecidas e muitas vezes publicadas, outras tantas mais próximas do que se poderia considerar «Inédito» - afinal o chamariz que dá epíteto ao livrinho. 

Algumas das imagens inéditas daqui teletransportadas. 
E, já que se copia, é copiar como deve ser, legendas e tal, e não "inventar" umas datas disparatadas...







E é aqui que a porca começa a torcer o rabo. Ou, melhor, que o rabo começa a expelir porcaria e a feder. 
Na verdade, quase todas estas inéditas imagens agora dadas à estampa, não se encontram publicadas em mais lado nenhum… a não ser aqui. Isso mesmo: aqui, precisamente aqui (ou, quando muito, aqui do lado, no anexo do quintal), acompanhando os artiguinhos que ao longo destes anos, com ou sem regularidade, aqui em Provocando se vão publicando. 
Se, ao amigo leitor, ninguém algo disse sobre copiar e republicar tais imagens, pois fique sabendo que a nós também não! E se ainda mantém a ténue esperança de, por entre tantas páginas com a bibliografia, os periódicos, os arquivos, as bibliotecas, e o diabo-a-sete, alegada e arduamente consultados para o excelente resultado da investigação e o bom êxito do livrinho, lá no meio de tanta coisa, que haja uma linha, uma linhazinha que seja, onde se refira a fonte das fotos, estas ou outras, o melhor é esquecer: Nicles! Apenas quanto à origem da imagem usada na capa – um Diário Illustrado de 1895 (não vá o J. M. Baptista de Carvalho levantar-se da tumba e zangar-se à séria…).
Ou seja, como facilmente se percebe, algum rato ratoneiro andou por aqui a ratar e, de rato em punho, lá foi clicando, ora aqui ora acolá, e catrapiscou uma boa quantidade de imagens. Depois, ainda de rato na mão, com algum jeitinho para o photoshop ou coisa que o valha, lá ratou as letrinhas das marcas de água (não tão bem que não tenha deixado uns rabinhos de fora – seja de rato ou de gato) e pronto. Et voilà! Cá temos uns belos inéditos a ilustrar devidamente o «Inédito»!
Mas deve ser embirrança minha. Deve estar tudo certo, deve ser assim que as coisas agora se fazem. Pois se me dizem que o putativo investigador/autor/editor (3-em-1 e o mais que seja), tão recta-pronúncia e cioso dos seus direitos (como atrás vimos e logo iremos ver), é permanentemente e de perto muito bem assessorado por «investigadora em Direitos Humanos, mais especificamente em Direitos Culturais», é porque é assim mesmo. E isto da internet deve ser mais ou menos como o da Joana
Mas que é feio, é muito feio. Acho. E registado fica.

Já que estamos por aqui, pelas fontes, vamos lá à «Bibliografia Consultada». É sempre um bom indicador.
Noventa e sete itens, noventa e sete! Entre livros, catálogos, folhetos e demais publicações (e, atenção, que os periódicos estão noutra lista à parte). Claro que só o Dicionário do Pamplona, como é em cinco volumes, preenche logo cinco itens (sinal que não bastou ir ao IV volume ver do Malhoa, mas que a completa e complexa investigação deve ter começado no Basoeki ABDULLAH e terminado no Miguel ZITTOZ – só pode!). E que pena A Arte em Portugal no século XIX, do França, ser apenas em dois volumes…!? (fossem outros cinco e a lista chegaria à centena - número bem mais redondinho).
Mas a lista é surpreendente. Alguns dos incontornáveis, como os já citados e mais uns tantos, mas muita tralha e algum ranço. Fora uma ou outra reedição, um Guia do Museu Malhoa e uns dois títulos mais, parece que o rol acaba mesmo no século passado.
Não está lá o …Tradição e modernidade, do Saldanha (2010); nem o Raisonné, idem (2012); tão pouco o José Malhoa, com um belo artigo de fundo da Sandra, editado pela ARTing (2008); nada de Amar o Outro Mar…, da Lucília Verdelho (2003) e que até é meio brasileiro…; sequer os “da casa”: Como nasce um Museu, da Dóris e da Matilde (2013) - pois pudera! – e ainda menos Malhoa & Bordallo: confluências…, com aquele excelente texto da Matilde (2005) – t’arrenego! Todos incontornáveis. Com alguns defeitos mas muitas virtudes, alguns dos estudos mais recentes e completos ou que contêm artigos fundamentais para uma investigação séria sobre Malhoa. E um ou outro até lá têm respostas a questões que neste livro agora se levantam (se é que no fim disto ainda as vai haver…).
Não se percebe!? Não se percebe se a omissão é por ignorância, se por desleixo, ou propositada pela soberba de se achar, afinal, «o maior investigador atual sobre o homem e o artista», e todos os outros não passarem de umas pobres bestas quadradas. Deve ser isso. E estamos conversados.

Tempo, agora, de ir mais ao cerne da questão.
Os capítulos 2 e 3 são uma chatice. Conversa de amanuense. Ou, num ou noutro aspecto, de quem está a preparar um daqueles cadernos de encargos para o concurso no qual se sabe já quem deve preencher o lugar… Quiçá?! Têm por títulos: «Centro de Documentação José Malhoa», este com um sub-capítulo chamado «Centro de Documentação José Malhoa | Esboço do Regulamento», e «Documentação Inédita e Esparsa». Apelativo, não há dúvida. A sua leitura não o é menos.
São doutas e abundantes as explicações sobre «Documentação Primária, Secundária e Terciária»; sobre «Documentos Ostensivos e Sigilosos» (cá está: mesmo ao arrepio da vontade expressa do próprio, passa tudo num ápice a ser como o da Joana); sobre «Higienização, Conservação e Restauro» e o uso obrigatório de «luvas», «máscara» e «bata»; sobre um súbito milagre que ocorrerá: «todas as pessoas que possuírem Documentos Primários, Secundários ou Terciários, relacionados ao Pintor de Portugal, sentirão confiança, para os deixar sob proteção deste Organismo» [p.46]; e, entre muitas outras boas intenções e teorias sobre «repositório», «catalogação, analógica e digital» e por aí fora, anuncia-se «o cuidado de pesquisar e adquirir toda a documentação - Primária, Secundária e Terciária acerca do Patrono deste museu – que vier a ser encontrada» [p.40] (os sublinhados são meus). Só não se diz é como.
No fim disto tudo, um tipo pensa logo: cá temos um novo Montez, do século XXI, mas o novo Montez! sem a Legião à ilharga, um novíssimo Montez!
E confia. E vai dormir bem mais descansado.

E ao âmago, a la pièce de résistance.
O primeiro capítulo, «Genealogia», seria o mais interessante do livro. Nele se dá a conhecer o tal facto inédito, alegadamente fruto de uma aturada investigação «efetuada enquanto Pesquisa Primaria Documental, ou seja, em fontes fiáveis, existentes na Torre do Tombo» [p.24]: a descoberta de um irmão de Malhoa até agora desconhecido, de seu nome João. 
O “agora” será força de expressão. Mas compreende-se: como o texto do livro corresponde à comunicação feita pelo autor num colóquio realizado no Museu Malhoa em 26 Abr. 2015, tal facto e os correlacionados já são conhecidos vai para três anos. E, disso, aqui demos conta em devido tempo. Como se pode ver na nota de rodapé deste artigo de 2012, (datada a nota de Jun. 2015, e posteriormente rectificada e adendada em Abr. 2016. E que vou ter de rectificar uma vez mais, já, já a seguir...). Mas dando o seu a seu dono, obviamente, pois não me esqueci de referir, de forma clara, qual o autor da dita revelação. (Pelo visto, deve ser um defeito meu…).

Antes de voltarmos ao assunto central – a genealogia de Malhoa - que, no livro e na verdade, é tratado apenas nas últimas quatro páginas das doze que ocupa todo este primeiro capítulo, vejamos resumidamente mais uma lição de sapiência com que nos brinda o autor preenchendo as outras oito.
Diz-nos: «Sobre a biografia de Malhoa temos, até hoje, abreviadas páginas, fraca documentação e praticamente nenhum dado que seja, realmente novo e importante, apesar de existirem inúmeras publicações que abordam o tema» [p.15]. Fala-nos depois de Plutarco e Tácito, de Xenofonte e Platão. E de mais uma série de biógrafos, nacionais e estrangeiros, de quinhentos a novecentos, e das suas principais obras. Já para o séc. XXI, propõe «a necessidade da pesquisa da Biodata», lamenta a dificuldade em «conseguir um levantamento genealógico genético de José Malhoa», e discorre sobre «biotecnologia» e «ADN autossómico». E logo determina as boas prácticas: «Em qualquer levantamento genealógico, deveria o estudioso, referenciar, de todas as Gerações, os seguintes campos: nome completo, data, hora e local de nascimento, casamento, cine-fotografias e data, hora e local de falecimento». Lamentando-se logo de seguida: «No caso de José Malhoa não será possível efetuar o preenchimento de todos esses campos, pois não existe um documento primário que cite, por exemplo, a sua hora de nascimento» [p.23].
Aqui, o leitor, tal como eu, maldirá da Ana Clemência por não ter ao lado, enquanto paria, um Roskopf mais um papel e um lápis, a fim de assentar devidamente a boa hora. Não lhe bastaria ter (se é que teve) panos limpos e água quente. Deveria imperativamente estar munida dum relógio (que, a bem da verdade, neste modelo mais democrático, só seria comercializado uns bons anos depois de ela ter dado à luz). Pois, agora, falho de tão precioso dado, fica o putativo estudioso impedido de traçar o imprescindível mapa astral do biografado… Ora bolas! Que maçada!

Deixemos isto. Vamos às origens familiares de JMalhoa.
Fruto, como vimos, duma aturada investigação que o putativo investigador nos dá a entender por mais de uma vez, com aquele ar sério e sofrido de quem carrega aos ombros todo o peso d’o saber, terá sido «efetuada (…) em fontes fiáveis, existentes na Torre do Tombo» [pp.24 e 26], o autor chega às seguintes conclusões sobre os membros próximos da família de Malhoa:

. Avós paternos: João Francisco Malhoa e Bernarda (?) Maria 
(embora admita em nota de rodapé «Também referenciada/conhecida como: Bernardina»).
. Avós maternos: João Moreira Branco e Maria Clemência.
. Pai e Mãe: Joaquim Malhoa e Ana Clemência Branco.
. Irmãos:
1. Joaquim António Branco Malhoa (n. 5 Set.1845)
2. João Branco Malhoa (n. 7 Abr.1848)
3. Maria Rita Branco Malhoa (n. 24 Jan.1851)
4. Maria José Branco Malhoa (n. 13 Jan.1853)
e, por fim, o nosso pintor,
5. José Vital Branco Malhoa (n. 28 Abr.1855)                       [pp.23 e 25]

Até aqui tudo certo. Só não se percebe porque carga de águas se assinala tão assertivamente o suposto nome de «Bernarda»?!
Em todos os registos consultados, e foram oito (os 5 de baptismo destes netos, o do casamento deste filho, como iremos ver, e ainda o de baptismo de um outro neto e o de casamento de um outro filho, em 8 registos portanto) em todos, a senhora Avó paterna do pintor aparece sempre designada como «Bernardina Maria»!
Será, porventura, a tal Bernarda algum mistério escondido na Torre do Tombo e só acessível aos eleitos e aos imensamente estudiosos?! Ou asneira, como já se vai percebendo…

Depois, sobre o local do nascimento dos irmãos de Malhoa, lemos esta afirmativa conclusão:
«O que existe, editado, a respeito aponta-nos, portanto, a existência do Joaquim, da Maria José, da Maria Rita e do José Malhoa, como originários da freguesia de Nossa Senhora do Pópulo, em Caldas da Rainha. Porém, a investigação, até aqui, levou-nos também para a freguesia do Coto e, apoiado, na Pesquisa Primária Documental, ou seja, nas mesmas fontes fiáveis, consultadas na Torre do Tombo, afirmamos que: O Joaquim, a Maria Rita, a Maria José e o recém-descoberto João, nasceram na freguesia do Coto e somente José Malhôa, o nosso querido pintor, nasceu na freguesia de Nossa Senhora do Pópulo[pp.25,26] (nesta, como nas outras transcrições, respeita-se a pontuação original).

Ora bem. Se, por mera hipótese, tal fosse verdade, aqui estaria uma novidade importante sobre a família Malhoa, pelo menos em termos sociológicos. Quereria isto dizer que apenas pouco antes do nascimento do futuro pintor, a família se mudara da freguesia mais rural do Coto (de onde os Malhoas serão originários) para a vizinha e mais urbana da Srª do Pópulo (estamos a falar, obviamente, ao tempo, em meados de XIX). E as mudanças do campo para a cidade (vila ainda, no caso) podem ser significativas em termos sociais, das vivências e etc. e tal… (Mas, como a hipótese não passará de mais uma fantasia, não vale a pena perder mais tempo com teorias que nada adiantam.)

Não faço ideia, palavra de honra, do que possa haver na Torre do Tombo, ou lá onde se diz que se foi… Mas aqui, sem levantar o rabinho da cadeira, podendo beber o meu whisky e fumar um cigarrinho, com a ajuda do rato (um outro rato, este), em meia dúzia de horas, pude encontrar isto que partilho alegremente com o leitor: os registos de casamento e baptismo desta gentinha toda. Estarão no lugar onde devem estar, que é o Arquivo Distrital de Leiria, nos muitos livros referentes à freguesia de Nª Srª do Pópulo. E, como se pode ver, serão os registos feitos pelos sucessivos priores da freguesia na altura dos Sacramentos. Documentos Primários e fontes fiáveis, portanto e tanto quanto é possível. E, a haver outros, só poderiam ser cópias destes.

Ora, lendo com olhos de ler o que lá está escrito, não se lê nada daquilo que o putativo investigador diz que investigou. E, ou não leu o que agora todos podemos ler, ou não saberá ler…

Comecemos pelo Casamento dos Pais de JMalhoa.

(Não transcrevendo tudo e simplificando a linguagem). Em 23 Dez.1844, na Igreja Paroquial de Nª Srª do Pópulo, da Vila Caldas da Rainha, «se receberão por marido e mulher» (casaram) Joaquim Malhoa, filho de João Francisco Malhoa e de Bernardina Maria (e cá está a «Bernardina»…), natural e baptizado (o Joaquim, evidentemente) na freguesia «de Santa Maria» (normalmente designada como de Nª Sª dos Anjos) «do Lugar do Couto», e Ana Maria filha legítima de João Moreira (aqui, como por vezes acontece, falta o «Branco») e de Maria Clemência, natural e baptizada (a Ana) «nesta freguesia» (a do Pópulo, portanto).
Foram testemunhas José Francisco Malhoa e Ricardo da Silva Ribas (o José Francisco Malhoa seria provavelmente um tio do noivo e, do Ricardo, a gente só topa que é Ricardo pela assinatura…). Assina o registo o Vigário Joaquim das Dores e Sá.

Recapitulando (a ver se não ficam dúvidas): Joaquim Malhoa casou com Ana Maria, em 23 Dez. 1844, na Igreja do Pópulo, nas Caldas. Ele era natural do Coto, e ela natural da freguesia do Pópulo. Ele era filho de João Francisco Malhoa e Bernardina Maria, e ela era filha de João Moreira (Branco) e de Maria Clemência. Claro como água.

E, agora,  os filhos destes, começando pelo princípio.
(Para que fique também claro: este registo e os seguintes constam do Livro «Registos de batismo da freguesia de Caldas da Raínha: 1832-1855»; código de referência: PT/ADLRA/PRQ/PCLD03/001/0005; localização: IV/31/A/80; do Arquivo Distrital de Leiria.)

Primeiro, evidentemente, o «mano» Joaquim.

Em 18 Set.1845, foi baptizado o Joaquim, que nasceu a cinco do mesmo mês (5 Set.1845), filho legítimo de Joaquim Malhoa e Ana Maria «recebidos nesta freguesia» (isto quer dizer que ali, no Pópulo evidentemente, haviam casado e da dita freguesia seriam «fregueses», ou seja, ali morariam); neto paterno de João Francisco Malhoa e de Bernardina Maria (de novo «Bernardina»); e materno de João Branco (agora falta o «Moreira») e de Maria Clemência.
Foram padrinhos Agostinho José Malhoa e Maria da Conceição. E assina o registo o mesmo Vigário que casou os pais.


Segue-se cronologicamente o João.



«Aos dois dias do mez de Maio de mil oito centos quarenta e oito nesta Igreja de Nossa Senhora de Populo da Villa de Caldas da Rainha, deste Patriarchado de Lisboa, baptisei e pus os Santos Oleos a João, que nasceo a sete de Abril (7 Abr.1848), filho legitim[o] de Joaquim Malhoa da Freguesia do Couto, e de Anna Clemencia (note-se aqui a primeira vez que Ana Maria toma o nome da Mãe) [des]ta Freguesia, aonde forão recebidos; neto paterno de João Malhoa (faltará o «Francisco»), e B[er]nardina Maria (mais uma vez «Bernardina»); e materno de João Moreira Branco, e de Maria [Cle]mencia. Forão padrinhos José Thiago, e Nossa Senhora, tocando co[m] as suas contas Joaquim Ricardo. Do que fis este assento. | O Par.º Encomend.º Francisco José Ferr.ª (?)»

Como é evidente, é isto o que lá está escrito! (e não outra coisa, a modos que parecida...) 
A página, como se vê, está cortada na margem direita e faltam letras em algumas palavras – veja-se o início dos nomes de ambas as Avós, por exemplo. Contudo a pontuação do manuscrito, colocada com algum critério, ajuda a reconstituir o sentido da escrita. Tal como olhar com atenção para os outros registos feitos pelo mesmo padre pela mesma altura (ordem e tipo de informações que vai registando, estilo repetitivo dos mesmos e a caligrafia usada). E facilmente se chega ao que o padre realmente escreveu. Que foi isto. Optou-se, por estas razões, por transcrever integralmente o texto manuscrito, assinalando as letras reconstituídas.
E o resultado é bem diferente da transcrição apresentada no livro. A relação difícil com as vírgulas, às vezes, dá mau resultado...



O putativo investigador ou não percebeu, ou não quis perceber, ou quis perceber coisa diferente, e apresenta-nos a transcrição que convém à tal teoria estapafúrdia de os quatro primeiros irmãos serem “naturais“ do Coto… Trabalho sério. Só pode ser isso.


Depois aparece a Maria Rita.


Diz que, a 4 Mar. 1851, na Igreja do Pópulo, o Rev.º P.e António Correia de Mesquita (a quem o prior que assina o assento deu licença) baptizou a Maria, nascida a 24 Jan.1851, filha «de Joaquim Malhoa, e Anna Maria desta Villa, aonde forão recebidos»; neta paterna de João Malhoa (sem «Francisco») e Bernardina Maria (sempre «Bernardina»); e materna de João Moreira Branco e Maria Clemência.
«Forão padrinhos José Joaquim de Salles Henriques e Rita de Jesus Ferreira Salgueiro Sobral da Cidade de Lisboa, tocando com procuração Roza Maria Branco, tia do baptizado». Assina o registo o pároco Francisco José Ferreira (?), o mesmo do anterior.

Como se percebe, esta primeira «Maria» tomará posteriormente para si, como segundo nome, o da madrinha Rita – Senhora de vários apelidos e que não esteve presente fisicamente na cerimónia.


E, quase dois anos depois, a Maria José.


A 30 Jan. 1853, na Igreja da freguesia (a do Pópulo, evidentemente), baptizou a Maria, «que nasceo atrese» (13 Jan.1853), «filha de Joaquim Malhoa da Freguesia do Cotto, e de Anna Clemencia do Populo desta Freguesia, aonde se receberão» (mais uma vez, e abusando da repetição, quer isto dizer que era filha do Joaquim Malhoa e da Ana Clemência, que aquele era do Coto, e esta do Pópulo, e que aqui se receberam – haviam casado); neta paterna de João Malhoa (sem o «Francisco») e Bernardina Maria (e ainda não foi desta que veio a «Bernarda»…); e materna de João Moreira Branco e Maria Clemência.
Foram padrinhos João da Costa Passos(?) de («Alcasser») Alcácer do Sal(?), representado por Agostinho de Mello («Salasar») Salazar, e Nossa Senhora, «tocando com as suas contas» (representando-a) José Henrique Salles. E assina o assento ainda o mesmo Ferreira, o pároco dos dois anteriores registos.

Esta segunda «Maria» terá tomado como segundo nome, o do “padrinho por procuração de Nª Senhora” José Henrique Salles…


Finalmente, o registo do mais novo, o José Malhoa.


«Aos quinse de Maio de mil oitocentos cincoenta e cinco anos baptizei a José, que nasceo a vinte e oito de Abril, proximo passado filho legitimo de Joaquim Malhoa, e de Anna Clemencia, esta desta Freguezia aonde se receberão e aquelle do Couto; neto paterno de João Francisco Malhoa e de Bernardina Maria; e materno de João Moreira Branco, e de Maria Clemencia: forão padrinhos o Ill.mo Snr. Jose Salles Henrique, e Nossa Senhora tocando com as contas de Nossa Senhora Maria Rita monina do Baptizado. Doque fiz este assento dia mez ano ut supra. | O P.co Francisco José de Souza Alvares de Aguiar»

Portanto, em 15 Mai. 1855, ficou registado que o pequeno José, nasceu a 28 Abr. 1855. E, embora se não refira expressamente, nem a igreja nem a freguesia onde o baptismo se realizou, toda a gente fica a saber que é a do Pópulo, porque é no Livro já referido que o assento foi feito. Que o José é filho de Joaquim Malhoa e Ana Clemência, esta do Pópulo e aquele do Coto, e que no Pópulo se haviam casado. Que os avós paternos e maternos são os já várias vezes referidos (e continuamos sem encontrar a dita «Bernarda»…). Que o padrinho foi José Salles Henrique [restando saber se é o mesmo «José Joaquim de Salles Henriques» que fora padrinho da Maria Rita (?), e/ou se é o mesmo «José Henrique Salles» que “representou” Nª Srª no baptismo da Maria José (?)…]. Que, como madrinha, temos mais uma vez Nª Srª do Pópulo, agora por via da mana Maria Rita. E que o padre, em 1855, era já outro - ainda Francisco José de nome próprio, mas com outros apelidos (e convém não andar a confundir os padres…).


Lidos e relidos esta meia dúzia de assentos, não se encontra uma só palavra, umazinha, que possa levar alguém de bom senso a concluir, menos a afirmar alto e bom som, que «O Joaquim, a Maria Rita, a Maria José e o recém-descoberto João, nasceram na freguesia do Coto e somente José Malhôa, o nosso querido pintor, nasceu na freguesia de Nossa Senhora do Pópulo». Antes bem pelo contrário.
E por muita boa vontade que se tenha, mesmo considerando a aparente grande devoção do casal Ana e Joaquim Malhoa por Nª Srª do Pópulo, não se está a ver, de cada vez que um filho lhes nascia, lá abalassem todos por ali abaixo, recém-nascido ao colo, do lugar do Coto até ao centro da vila das Caldas, para baptizar a criança… Até porque o uso à época era de o fazer onde fossem «fregueses». E não restarão grandes dúvidas que, desde o seu casamento em 23 Dez. 1844, Ana e Joaquim eram «fregueses» da freguesia da Srª do Pópulo…
A não ser que algum Documento Primário ou fonte fiável milagrosa, algures escondido entre os múltiplos Arquivos que se dizem consultados ou aparecido graças à publicamente agradecida «presteza e dedicação» dos respectivos funcionários, surja mesmo à luz do dia a contradizer tudo o que os padres caldenses deixaram bem assente. Pois, por enquanto, não é a transcrição asnática do registo de baptismo do Joãzinho Malhoa (feita à medida do que se deseja e não do que lá está) que pode refutar os vários clérigos.

Vejamos agora como o estar vivo é o contrário de estar morto (ou vice-versa) dependendo, sobretudo, de se ser ou não cadáver.

(Para acompanhar, talvez um pouco de música. E esta parece-me adequada. Não sei se pelo tema, uma bela canção tradicional da Beira-Baixa em versão rock progressivo, se pelo nome da banda, um interessante agrupamento dos finais de 60’s, originário do Entroncamento e Tomar. Clique aqui e oiça  enquanto continua a leitura.)

Vimos, até agora, como a revelação da existência de um quinto filho, o segundo pela ordem de nascimento, do casal Ana Clemência e Joaquim Malhoa, de seu nome João, foi a única coisa acertada que o putativo «maior investigador atual sobre o homem e o artista» nos conseguiu transmitir. Esse mérito ninguém lho tira. E tirámos-lhe há muito o chapéu, naquela nota atrás referida [2].

Contudo, a saga do Joãozinho não se fica por aqui. Do alto da «tal investigação cuidada», não contente em o ter trazido à luz do dia (e muito bem!), logo trata de o matar. E de papel passado e tudo: com mais um documento primário, outra fonte fiável, para esmagar a ignorância do comum dos mortais, et épater le bourgeois.
Diz o putativo. «Repito: Aquando do nascimento de José Malhôa, o pequeno João estava com 7 anos de idade. | Porquê nunca se soube da existência deste irmão de José Malhôa? A resposta é simples: faleceu em tenra idade, mais exatamente aos 11 anos, como consta do seu Assento de Óbito que reza o seguinte: »  [pp.24,25] 
(e espeta-nos diante dos olhos com esta erudita e rigorosa transcrição)



Mais à frente termina o capítulo [3] com um apelo à CM das Caldas da Rainha: «Como referi, a minha investigação trouxe à luz da atualidade um irmão de José Malhôa, completamente desconhecido do público e dos genealogistas/historiadores. Este rapaz, de nome João Branco Malhôa, nasceu, morreu e foi sepultado na freguesia do Coto, no adro da Igreja de Nossa Senhora dos Anjos e, como indicam as fontes, toda a ascendência do Pintor de Portugal foi ali também inumada. A minha solicitação é simples: que a edilidade coloque uma placa naquele local (no adro da Igreja de Nossa Senhora dos Anjos), com a seguinte inscrição: | “Aqui, estão sepultados os restos mortais de João Branco Malhôa – irmão do Pintor José Malhôa – bem como, de inúmeros dos seus ascendentes”.» [p.26]
Bonito. Comovente. Um gesto simples, com muito significado – dir-me-ão.

Talvez… Não fora tudo uma fantasia delirante: o João Branco Malhoa não nasceu no Coto, muito provavelmente ali não morreu, e muito dificilmente lá terá sido sepultado. 
E espero bem que a Câmara ou a Junta não vão na cantiga…

É evidente que no adro da Igreja do Coto deverão estar sepultados muitos dos ancestrais de JMalhoa. Se, como vimos e tudo leva a crer, os Malhoas (o lado paterno, portanto) serão dali originários. Esses e possivelmente muitos outros Malhoas.
Contudo, é muito pouco provável que o pai do pintor, Joaquim Malhoa, freguês do Pópulo, ali esteja enterrado. E muito difícil será que o mano João, também do Pópulo freguês [4], ali esteja também. E, entre outras razões, porque pura e simplesmente este «João», que o putativo investigador agora mata, não pode ser o tal irmão de JMalhoa (como já iremos ver).
Mais uma vez, por desleixo ou por ignorância, por não saber ler ou por não o querer, «o maior investigador atual sobre o homem e o artista» transcreve o assento como muito bem lhe apetece e chega às conclusões que a sua imaginação fabula.

(Quanto à dita placa, talvez se, em vez do Joãozinho, a edilidade lhe acrescentar também os ascendentes do outro José, o d’as vinte e quatro rosas, mais da outra Ana, a ex-turbinada, e da Índia, que também parece muito boa moça… Então, sim, já deverá estar certo. E continua a ser bonito.)

Agora, como professos de S. Tomé, não acreditando na primeira patranha que nos enfiam pelos olhos adentro, vamos lá fazer os trabalhinhos de casa.
Eis, retirado do Livro «Registos de óbito da freguesia de Coto: 1834-1859» [código de referência: PT/ADLRA/PRQ/PCLD05/003/0002; localização: IV/31/D/121] e do sítio do costume, o fac-simile do assento (o lá atrás transcrito meio à vontade do freguês):


Como se vê, a reprodução não é famosa. É difícil de ler.
Além do mais, o padre Sobral era moinante e limitava-se a registar o nome do defunto e o estado civil (sim, o estado civil, como perceberá quem olhar com atenção para os restantes assentos que acompanham este…). Nada de idade, nada de filiação, aquelas coisas básicas que identificam um cidadão. E apenas o nome do conjugue, no caso de viúvas. Avaro, o padre Sobral.
Como não tenho a mania que tudo sei, face a dúvidas que me levantou a leitura de duas palavrinhas, resolvi perguntar a quem está mais habituado a ler estes registos oitocentistas. Não a um, mas a dois bons amigos (melhor, a um amigo e a uma querida amiga); cuidando de nada lhes dizer previamente sobre o que eu ou outrem acharia do que lá estava escrito, para não influenciar o veredicto… As respostas foram unânimes e coincidentes com a minha leitura inicial. 3 a 0, portanto, e sem espinhas.

«No dia dose de Novembro de mil oito centos cincoenta e nove nesta Freguesia de Nossa Senhora dos Anjos, e lugar do Cotto faleceu com todos os Sacramentos João Malhoa casado, foi sepultado no Adro da Igreja Matriz, e não fez disposição alguma testamentaria, e para constar fiz este acento, que assigno. Cotto dia mez e anno ut supra O Parocho | Manoel Lour.º Sobral»

Cá tem o leitor o que realmente escreveu o padre.
E faça o favor de comparar com o arremedo de transcrição acima reproduzida (umas vezes arremedando a grafia oitocentista, outras não – vareia – nem respeitando maiúsculas, acentos ou pontuação originais). Depois, é o que se vê…
Ao caso e agora, pouco interessa que a data seja «nove» ou seja «dose» (doze). Mas interessa, e muito, que o «casado,» (como é evidente que lá está) se transforme por artes mágicas em «cadáver», e se lhe suprima a vírgula, e se lhe anteceda um artigo definido convenientemente inventado!?

Mais claro que as águas das Termas da Dona Leonor não pode ser: este «João Malhoa casado,» por muitas voltas que se dê à Torre do Tombo ou lá onde for, nunca poderá ser o cadáver do Joãozinho Branco Malhoa, um infante de onze aninhos!? Ou não dá para entender?!

Mas quem será este defunto? – perguntarão. Sei lá! nem me interessa. Até pode ser o avô João Francisco, o marido da Bernardina… Ou pode ser um outro qualquer. Malhoas, no Coto, havia muitos… Mas não é, seguramente, o Joãozinho!
E então, o Joãozinho, cadê? – Também não faço a menor ideia! nem irei perder muito tempo com tão magno problema. Que morreu, é fatal como o destino! Agora, quando? Vá lá a gente saber… Pode bem ter-se finado ainda inocente, como folheando os livros de óbitos da altura encontramos a cada página, talvez o mais natural. Se aos tais «onze anos», se mais velhito, ou antes bem mais novo e sem ter conhecido alguns dos seus irmãos… sabemos lá! (E, pelo visto, não sei eu, nem quem julga e diz saber). Curiosos? é ir passar a pente fino os Livros de registos de óbito (mas, atenção, os da freguesia do Pópulo, começando logo pelo de 1809 a 1860 e a partir de Abril de 1848, evidentemente, e no Arquivo de Leiria, pois claro) pode ser que encontrem alguma coisinha... Mas o Joãozinho também pode ter sido João, ter crescido, casado, e ter uma ranchada de filhos, netos e bisnetos…
É coisa que, francamente, para o estudo sério sobre a obra de JMalhoa, interessa mesmo muito pouco.


Portanto e resumido. 
Fora a revelação da existência deste quinto irmão (e, sim senhor, muito bem!), ao longo de todo o livrinho o putativo «maior investigador atual sobre o homem e o artista» não acerta uma! Do alto da sua pesporrência, por ignorância, inépcia ou má-fé, debita-nos um chorrilho de inverdades disparatadas. E não acerta uma.
Coitado do Malhoa, não merece... não merece este tipo de gentinha ainda de volta dele. 


E pronto. É isto, caro leitor. Uma mão cheia de quase nada.
Desculpar-me-á o longo relambório e mais qualquer coisinha. Mas eu avisei logo ao começo.
E pode ir à sua vida, dizendo tal como a outra: 
«Ó Arnestina, vamos embora qu’isto foi tudo uma grande aldravice!»


15 Set.2018. LBG
____________________________

[1] A classificação, obviamente, não é minha. É retirada da Acção Socialista Digital, de 23 Abr. 2018, dirigida pela Drª Edite Estrela (e não deveria ser «Ação», Senhora Drª?) que não terá culpa alguma. Pois, tudo indica, trata-se de mais um texto onanístico (como o nome indica: de mão própria e para própria satisfação) onde o putativo investigador aproveita para mostrar a sua erudição malhoesca. E lá vem aviando algumas das banalidades do costume, aproveitando para debitar, entre outras coisas, um sound bite ouvido de boca umas semanas antes e que lhe deve ter soado maravilhosamente sobre as exposições de Malhoa: «das quais ficou célebre a do Rio de Janeiro, no ano de 1906, onde todas as telas expostas encontraram comprador». Como, neste particular e na verdade, confrontadas as várias fontes e as continhas feitas como devem ser, as vendas se cifraram em 50 ou 51% das obras expostas… ficamos logo a desconfiar do carácter duma criatura que, ao mesmo tempo que acriticamente repete asneira, facilmente se insurge contra «todos, sem exceção, [que] abusaram do copianço, tão mau para quem está a teorizar sobre uma personalidade da grandeza de José Malhôa» [p.24]. Cada um sabe de si…

[2] Na adenda a essa nota, está, vai para mais de dois anos, um comentário sobre o que já então se percebera acerca da estória estapafúrdia (e que eu sonhara ter ouvido de viva voz na tal comunicação de 26 Abr.2015…) sobre a putativa diferença de naturalidade entre os quatro irmão mais velhos e o mais novo. E se, quando o tal rato andou por aqui a ratar as fotos que ratonou, tivesse aproveitado para ler o que lá está escrito (uma das fotos ratadas está precisamente na tal página) teria tido o ensejo de emendar a mão e não dizer tanta asneira… Não ligou. Não lê. Veio apenas à babugem das imagens. Paciência.

[3] Termina, não sem antes nos deixar uma interrogação e uma promessa: «A história pode não ser bem assim, pois tudo indica que José Malhôa possui um sobrinho legítimo, nascido no ano de 1873, na freguesia do Sacramento, em Lisboa, filho de Joaquim António Branco Malhoa e de sua esposa a Sra. D. Maria Amélia Gomes de Oliveira. Por enquanto não posso adiantar muito mais, porém, naturalmente, a investigação continua e, espero, em breve, poder esclarecer-vos a esse respeito.» [p.26]
Embora isto aqui não seja propriamente o Flash Vidas e esta seja conversa que pouco ou nada interessa, em antes que lá venha mais trapalhada, fica esclarecido já:

Em 1930, três anos antes da sua morte, JMalhoa deixa escrito que o seu «sobrinho David Vicente de Oliveira Malhoa (assinado também David Malhoa)» era já falecido, que fora casado com «Madeline Zirn Malhoa [então já] casada em segundas núpcias com Henri Herr», residentes na Alsácia. 
JMalhoa refere ainda os seus três «segundos sobrinhos, Maria Luiza, Joaquim e José», filhos legítimos do David, e que viviam também em França com a mãe e o padrasto.
Fala-nos também JMalhoa de uma outra sobrinha, Celeste Malhoa, residente então no Porto. Desta, não sab[ía]mos a filiação. [3b]

Voltando ao David. Nasceu em 22 Jan.1873 e foi baptizado a 16 Março. Teve por padrinhos os tios paternos: José Malhoa, então jovem estudante quase a fazer os 18 anos, e a Maria José, ambos ainda solteiros. O seu registo de baptismo, completíssimo e feito à maneira por padre da capital, até tem, finalmente!, a hora do nascimento: cinco da manhã – bem bom! Mas, helás!, o Prior também insistiu em escrever que Joaquim Malhoa, o pai do neófito, era «natural e baptisado na freguesia de Nossa Senhora do Populo das Caldas da Rainha» - só para contrariar, o sacaninha do padre!
(Ah! E o registo, este sim, é da Torre do Tombo. Mas online... ou julgavam que, por isto, ia levantar o rabinho da cadeira?!)


E a quadrilhice fica por aqui. De vez. 

[3b] (Em tempo). Dizia que a quadrilhice acabava ali, mas o melhor é nunca dizer nunca…
Falemos, pois, sobre a Celeste, a outra sobrinha de JMalhoa. Para ficar tudo esclarecido.
Nascida a 23 Nov.1877, filha ainda do irmão Joaquim António e da mulher, Mª Amélia Gomes d’Oliveira Malhoa, foi baptizada a 2 Fev.1878. Celeste foi apadrinhada pelo irmãozinho, então com apenas cinco anos, David Vicente d’Oliveira Malhoa, e pela tia Mª Rita da Paz Branco Malhoa (na primeira e única vez que vemos a Maria Rita usar um terceiro nome próprio: «da Paz»!?).
O assento de baptismo é também interessante por ser a primeira vez que Joaquim Malhoa e, no caso, também a mulher, são referidos como «logistas». Até então, nos registos anteriores, como no do baptismo de David, Joaquim Malhoa só aparece como «caixeiro». Sinal que, mais ou menos por essa altura, finalmente, terá passado a ser dono de loja…
(28 Jun.2020. LBG)


[4] Vamos lá tentar ser sérios. Mesmo se, por mera hipótese, por absurdo, admitíssemos como boa a tese estapafúrdia dos quatro primeiros irmão serem naturais do Coto (imaginemos isso por um momento), logo de seguida o autor diz-nos que o José nasceu no Pópulo. E, das duas, três: ou algum tempo antes do nascimento de JMalhoa toda a família se havia mudado para o Pópulo e desta freguesia passaram a ser todos fregueses; ou quer-nos fazer crer que o JMalhoa era só filho da mãe, e que o resto da família teria permanecido no Coto; ou acha que nós, leitores do livrinho, somos todos uma cambada de atrasados mentais. Haja paciência.

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Ensaio sobre [a cegueira]


Há muito, muito tempo, numa cidade longínqua, dois alfaiates tecelões e contadores de estórias chegaram junto do rei e disseram: - Qual brocado de Damasco, qual seda da China, qual arminho da Sibéria!? Majestade, para Vos cobrirdes condignamente, fazendo jus à Vossa Mercê, nada melhor que o tecido que só nós sabemos urdir. De tão fino e delicado, apenas espíritos superiores, somente gente de sólida cultura, indivíduos dotados da mais sábia e treinada visão estética o poderão divisar e apreciar sobre o Vosso real corpinho.
O rei anuiu.
E assim se fez. Teceram, moldaram, cortaram, alinhavaram, coseram, bordaram, esfoliaram. E, quando tudo ficou pronto, o apresentaram ao rei. O rei, na verdade, pouco ou nada via, mas, para não passar por ignaro e inculto aos olhos dos súbditos mais eruditos, disse nada. E ajudaram-No a vestir tão sumptuoso traje. E logo todos Lhe elogiaram o porte e também o corte, o drapejar, o cair, o tão fino acabamento. Ninguém alguma vez vira coisa mais maravilhosa - diziam. A notícia espalhou-se aos quatro ventos.
O rei, temeroso, desconfiava: se, no pino do estio, uma certa sensação das soberanas pendurezas à solta era assaz confortável, já na época invernosa tanta leveza deixá-Lo-ia certamente transido de frio… Contudo, como todo o mundo tudo apreciava e muito elogiava a urdidura, esta deveria ser mesmo de um alto coturno. E nada havia a dizer: - Aguenta! – pensou o soberano.




Um dia, um pobre diabo, um palerma coitado, curioso de tanto ouvir e ler sobre a anunciada novidade, resolveu ir ver com os próprios olhos. Foi. E viu pêva!
Ele bem tentou. Semicerrou os olhos, tirou e pôs os óculos, limpou convenientemente as lentes, maldisse o estigmatismo, duvidou pela primeira vez da sua amiga Leonor, a optometrista de toda a vida. Deu quatro passos à esquerda, e logo dois à direita (mais que isso, também não!); aproximou-se quanto pode, recuou uns bons metros. E nada! Nada via. Ou melhor: via-se a si próprio, via umas moças postadas do outro lado da sala, via luzes e luminárias, toda a panóplia do salão, via tudo o que não queria ver, mas ver a anunciada maravilha é que não!
Ele ouvira falar da leveza, da finura, da transcendência de tão sublime tecelagem – Mas, nada? não ver nada, era demais!? Seria sortilégio?!
Pediu que acendessem as luzes, que as apagassem depois (apenas o sol lhe não fez a vontade). E nicles!
Então baixou sobre o desgraçado a grande dúvida: seria ele, acaso, um dos tais espíritos inferiores que, por fraca cultura e falta de visão estética, estava impedido de ver tão maravilhosa maravilha? Só podia! Desesperou.
Tentou uma derradeira vez. Procurou ver mais em pormenor. Com imenso esforço lá conseguia entrever, aqui e ali, por entre as névoas e os reflexos que teimavam em toldar-lhe o olhar, em ocultar-lhe o desfrute, uma ou outra pedra preciosa, um ou outro filamento sabiamente disposto [seria prata, seria oiro?]; aqui adivinhava um plano tranquilo, além uma mais movimentada superfície - pela amostra, a coisa parece ser até bastante interessante! – pensou. Mas seriam mesmo pequenos e particulares detalhes da preciosa urdidura o que agora via? Ou era apenas a visão construída pela sua parca imaginação, pelo anseio, pelo querer alguma coisa ver? A limitada mente do pobre diabo esvaía-se no dilema.
- Será «pathos»? será «ethos»? «logos» não é, certamente! e «enos» não bate assim… [neste particular, pelo menos, tinha a certeza: apenas virara duas tacinhas no sôr Carlos] - papagueava ele, em arremedo quase clássico, a ver se elevava os padrõezinhos, na tentativa última de se equiparar aos eleitos a quem a visão plena seria permitida. Mas o helénio léxico, de tão limitado, não dava para mais. E desistia.

Nisto, alguém o lembrou: - É «a ideia de felicidade que transparece», estúpido! - Então tudo ficou claro! Estava explicado: o pobre coitado, burro, havia-se olvidado dessa importante premissa, daquele novo postulado da estética comparada e analítica. Era isso!
E, finalmente, sossegou.

Embora continuasse sem ter visto [a ponta dum c…].



12 Set.2018. LBG.