terça-feira, 13 de agosto de 2019

«Cintra(s)» há muitas…

seu(s) palerma(s)!


O Malhoa sempre teve costas largas. Já se sabe.
Para o bem e para o mal. Para tudo e mais alguma coisa.
Entre as muitas estórias, anedotas, ditos, obras, o que seja, infundada e abusivamente atribuídas ou relacionadas com o Pintor, há uma relativamente inócua mas particularmente irritante - a que conta e repete à exaustão, cândida e insistentemente, ter sido Malhoa quem atribuiu a Figueiró dos Vinhos o epíteto de «Sintra do Norte».
Volta e meia, quando a julgávamos esquecida, morta e definitivamente enterrada, lá surge uma ou outra alma penada que a ressuscita e a coisa volta para nos assombrar. Há quem se compraza, quem lhe ache certa graça, há quem abomine tal epíteto.
Mas, que se saiba, não haverá uma única fonte, um escrito, uma carta, um testemunho idóneo, o que for, que permita sustentar de forma séria a paternidade malhoesca da coisa. A não ser o diz-que-disse. E por mais que a coisa seja repetida (algumas vezes até por quem tem obrigação de pensar bem antes de dizer a primeira parvoeira que lhe vem à cabeça)…

«Sintras», para além da simpática Vila de Sintra à beira do Serra do mesmo nome, para quem não sabe, há muitas!
É mania com origem num certo romantismo serôdio, uma parvoíce como outra qualquer, o querer atribuir os encantos da então estância de veraneio por excelência, de reis e rainhas e fidalguias, a outras terras ou locais que tinham igualmente seus encantos e suas virtualidades… Mas outros. Os seus próprios encantos, únicos, verdadeiramente genuínos.

[Também por cá temos, e há muito, uma «Lusa Atenas», uma «Veneza do Vouga» e outras que tais… Ou, mais recentemente, uma proliferação de genuínas e antiquíssimas «feiras medievais», «templárias» e quejandas por tudo quanto é buraco, e uma multiplicidade de antigos, únicos e tradicionais «doces conventuais» cuja receita ou foi copiada de um outro lado qualquer ou afinada a semana passada… E até, na bola, já vimos um «Jardel de Coimbra», um «Mini Messi» e mais uns que nem é bom lembrar…Basicamente, a conversa é a mesma.]

Pois é. E «Sintras» há muitas!

Logo a «Sintra do Alentejo», a linda vila de Castelo de Videvirada às faldas norte da Serra de S. Mamede. Onde a excelência das águas [também do vinho e do cabrito de cachafrito do D. Pedro V], a abundância de vegetação, o clima ameno, a harmonia da urbe e a simpatia das gentes sempre chamam a mais uma visita. Ali atribui-se a D. Pedro V, que a visitou em 1861, a responsabilidade de tal baptismo. Vá-se lá saber...
 
Depois a «Sintra da Beira», o «cognome dado à simpática vila de Alpedrinha por D. Leonor de Almeida (1750-1839), a marquesa de Alorna, quando [ali] esteve (…) Esta sensível poetiza, grande admiradora da natureza, à qual dedicou vários poemas, ao fazer tal comparação terá sido surpreendida pela beleza e pujança desta terra e do seu enquadramento natural». E a gente fica quase convencida.

E até Ermesinde... Em 1916, com o prolongamento da linha nº9 da Praça de D. Pedro, bem do centro da Invicta, pela Areosa e Aguas Santas, esta passa a ser muito usada «ao domingo por parte de centenas ou milhares de portuenses, que buscavam em Ermesinde um espaço de lazer e de sossego, desfrutando de uma magnífica paisagem ribeirinha, junto a um Leça de águas límpidas e margens bem arborizadas, que serviam de cenário natural a piqueniques, onde se reuniam famílias inteiras ou grupos de jovens que assim se distraíam de forma bastante sadia e alegre». Ermesinde converte-se «então, numa verdadeira estância balnear e campestre, merecendo plenamente os epítetos de “Pérola do Leça”, Sintra do Porto ou ainda Sintra do Norte». Ena! afinal, «Sintras do Norte» já são duas!

Mesmo nas ilhas atlânticas… «Aqui, a 550 metros de altitude e apenas a 9 quilómetros de distância do centro do Funchal, a meia encosta do anfiteatro funchalense, respira-se uma atmosfera romântica, de cartão-postal. Contribuem para isso os jardins e as quintas, com as suas flores e árvores frondosas. Não foi por acaso que alguém chamou ao Monte [Nossa Senhora do Monte, a padroeira da Madeira] “a Sintra Madeirense”, epíteto muito divulgado pelo antigo e distinto jornalista João Augusto de Ornelas (1833-1886), e que acabou por ser frequentemente adotado nas referências à freguesia em obras nacionais e estrangeiras».


[E ainda haverá mais… Como uma terra, julgo que termal, algures, onde já passei mas agora não recordo – mais uma «Sintra qualquer…». Ou, ainda, «Nova(s) Sintra(s)» - um jardim-parque no Porto, um bairro na Póvoa do Varzim...]


Voltando a Figueiró.
Certo, certo, quanto a esta «Sintra do Norte» e a Malhoa, apenas os singelos versos de uma antiga marcha do rancho, lá pelos finais de 40, da autoria do Zé Nunes [sempre assim o conheci, velho amigo da família], maestro e ensaiador, e que a filha, a minha amiga Mizé, há uns tempos recordou.

«Figueiró terra de sonho
Tua beleza ao longe ecoa,
Louvada e enaltecida
Em lindas telas de Malhoa.

«Deus a guarde e a proteja
Em seu caminho triunfal,
Para que viva e seja
Sempre a mais linda de Portugal.

«Vamos rapazes e raparigas
Lançar ao vento nossas cantigas,
Que são a voz muito sentida
Da nossa terra, da nossa vida.

«Terra de encantos, luz e cor,
Meu Figueiró tão sedutor,
Teu ar lavado, singelo porte
Dão-te a legenda Sintra do Norte


E, com isto, podia ficar por aqui.

Todavia, faz hoje precisamente uma grosa de anos, a 13 de Agosto de 1875, o Diario Illustrado publicava na primeira página uma gravura do Cabril do Zêzere, com a velha ponte filipina entre os dois Pedrogãos, e a sugestiva legenda «A Cintra da Beira Baixa». Lá dentro, ao fundo da segunda página, um Folhetim com o mesmo título.


Sem muitos comentários, ficam ambas as peças. Para ler [a prosa é deliciosa - quer na descrição da aventura da viagem, como da beleza do lugar e das paisagens; dá ainda para perceber que a gravura foi feita a partir de uma foto, possivelmente de A. Silva Magalhães de Tomar; e termina com o relato dum antigo episódio guerrilheiro entre liberais locais e caceteiros miguelistas vindos de Tomar - deliciai-vos]. 
E serve para entender a eventual origem da coisa. Bem sei que não é propriamente Figueiró, mas é ali mesmo ao lado [e sempre se gostou muito de copiar do vizinho…].

Ah! já agora, lembrar que, nessa altura, o Malhoa mal tinha os vinte anos feitos e ainda faltavam uns tantos para descobrir «o Figueiró das cores»... Tirai isso da ideia.



13 Ago.2019. LBG.

1 comentário:

  1. Luís, gostei... Por isso é que eu penso que é importante agarrar-se também no Alfredo Keil, que andou por aqui, pintou a ponte as descidas para o rioe, sobretudo, se inspirou para as suas óperas Irene e a Serrana e a criação do nosso Hino Nacional, já sentado em Lisboa ao piano que o havia de consagrar... Um abraço

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