(ou d’«A sesta» à ópera,
passando pel’«O almoço do trolha»)
Sobre
José Inácio Pereira, o mestre pedreiro encarregado da obra do «Casulo»,
sabe-se pouco.
Apenas as
ofertas e os elogios de reconhecimento que Malhoa fez questão de registar nas suas
notas pessoais, dele nos dão conta: a 12 Mai.1899, «Alfinetes que comprei, um para o Pereira encarregado das obras no “Casulo”» e, em
Mar.1900, pelo final da obra, «Compra da espingarda e pertences, para
offerecer ao José Ignacio Pereira – d’Ancora [ou será d’Ancos / Anços(?)
- ficamos sequer a saber se seria minhoto de longe ou vizinho do outro lado
do Sicó…], pedreiro, que derigiu a minha obra do “Casulo” em Figueiró dos
Vinhos, pelo interesse, e bom desempenho que tomou nos trabalhos da
mesma obra». [os realces são meus]
Além disto que, parecendo pouco, é todavia certo [e desdiz conversa antiga…], é bem
possível, embora menos certo, que Malhoa nos tenha deixado o retrato do José
Inácio Pereira…
José Malhoa.
A sesta, 1898. óleo s/ madeira, 33x41. MNBA, Rio de Janeiro.
Sobre «A
sesta», 1898, pequena e magnífica tábua a óleo no acervo do MNBA do
Rio de Janeiro, já muito foi dito [1].
Em duas
cartas a José Relvas, datadas de Figueiró, de 8 Ago. e 13 Set.1901, Malhoa
descreve o que anda a pintar e o muito trabalho e tempo despendido, porque «a
pintura tem que ser muito feita, sem o parecer» - refere; e especifica - «Desde
que aqui me encontro, tenho feito (…) a sesta: quadrinho de 30
por 40, com 28 sessões, ainda não concluído…». Concluída «A sesta», esta só
seria mostrada na Primavera seguinte, na 2ª SNBA (1902). E vendida na
«Exposição de Arte Portuguesa» organizada no Rio no Verão daquele mesmo ano – foi
então adquirida, tal como uma dezena de outras obras portuguesas, para a
colecção da Escola Nacional de Belas Artes brasileira.
Ora, apesar
de tudo isto, de ainda andar de volta do quadrinho em 1901, de apenas o
mostrar e só o vender em 1902, Malhoa fez questão de, junto à sua assinatura,
firmar como data «1898» [o que, ainda hoje, causa engulhos
e asnáticas datações].
Malhoa firma
«1898» porque, muito provavelmente, fora essa a data da tomada do natural,
a do registo da cena que depois, com tempo, diligentemente burilou, foi a data
que Malhoa quis deixar recordada - a do começo das obras «do augmento do
“Casulo”».
Vejamos
então «A sesta», 1898, com um outro olhar.
Ao longe, o
convento do Carmo compõe a paisagem e diz-nos que estamos em Figueiró.
Mais perto, na
orla e à sombra do pinhal do Serra, acabado o jantar [o
almoço, diríamos hoje] partilhado em comum do alguidar de loiça coimbrã,
dessedentados pela fresca água da mina na cântara de barro vidrado, dois
trolhas gozam a merecida sesta – um de borco, outro de papo pró ar. Enquanto
estes dormem, o Zé Inácio, mãos calejadas e corpo cansado, ainda cisma e
matuta.
Não como «o
bronco e esmagado trabalhador dos campos, a passiva e resignada criatura que
parece ter pedido ao boi, seu companheiro de trabalho, a sua passividade e
resignação» - no dizer diletante do crítico de O Século em 20
Abr.1902 – mas, bem ao contrário, como o mestre pedreiro interessado
no bom desempenho e condução da obra, que discorre na melhor
maneira de resolver a pedra e cal o que mostra aquele boneco, em seu entender mal amanhado [já se sabe], que o arquitecto por ali deixou sem mais indicações [o
costume, é evidente].
Ao lado do
Zé Inácio, repousa ainda um grosseiro chapéu de junco – forte e feio,
dos que aguentam a padiola de transportar pedras e massas que qualquer pedreiro
tem de carregar [não se trata, portanto e como parece claro, de um usual e
leve chapéu de palha camponês…].
Foi isto que
Malhoa pintou. Entre 1898 e 1901, durante uma trintena de sessões. Um belo Retrato
do José Ignacio Pereira e seus camaradas.
Ou, se
preferirem, uma versão avant la lettre de «O almoço [ou jantar] do[s]
trolha[s]». [Saudações, Mestre Júlio!]
[E, a ser isto verdade, para os que acham que “naturalismo” e “realismo” se
diferenciam consoante se representam camponeses ou operários, aqui têm um belo dilema para
ir resolvendo…
Entretanto,
sigam a doutrina do Evaristo, o do Pátio do mesmo nome, cujo postulado não
anda longe daquela.]
9 Out.2019. LBG.
__________________
[1.] Sobre o assunto, entre outros, ver:
SALDANHA, Nuno. José
Malhoa. Tradição e Modernidade. Lisboa: Scribe, 2010, p.50 e p.152.
Idem. José Malhoa. 1855-1933. Catálogo Raisonné. Lisboa: Scribe, 2012,
p.130.
E,
principalmente:
VALLE, Arthur. Os “Malhoas” da Escola Nacional de Belas
Artes do Rio de Janeiro. Comunicação ao «III Colóquio Internacional de Arte
em Portugal e Brasil nos séculos XIX e XX”, Lisboa, Nov.2016, F.C.Gulbenkian.
(disponível aqui)
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