Algumas
notas sobre a data
do
nascimento de Manuel Henrique Pinto (1853-1912)
A data do nascimento do pintor
MHPinto, de vez em quando, é objecto de umas alegadas “controvérsias”. Década e
meia depois, parece que o assunto vem de novo à baila.
Recapitulemos.
José Abrantes Raposo, na sua
meritória obra de 2002, Manuel Henrique Pinto. Vida e Obra. Ensaio
Bio-Iconográfico, refere-se a «algumas discrepâncias», então por si encontradas,
«no que concerne à data do seu nascimento».
Resumidamente, diz-nos Raposo
[1]:
«… a Grande Enciclopédia
Portuguesa-Brasileira, obra base de consulta e de cultura, afirma, erradamente,
que (…) foi a 15-II-1835 (com o mês em romano)…»
«… Romeu Correia, no seu livro Homens
e Mulheres Vinculados às Terras de Almada, servindo-se [daquela] fonte (…),
confundiu os algarismos do mês, trocando os romanos por árabes e, escreveu
Novembro em vez de Fevereiro (…) Alexandre M. Flores, na obra Almada Antiga
e Moderna – Roteiro Iconográfico, II Freguesia de Cacilhas, usou a
referência de Romeu Correia e apontou, igualmente, a mesma data.»
Mas, logo de seguida, Raposo também refere:
«O catálogo da Sociedade Nacional de
Belas Artes, comemorativo da exposição do Grupo do Leão, em 1941, dá-nos,
contrariando as datas anteriores, a data de 15 de Março de 1853.»
E prossegue: «Na mesma linha de
orientação, o Dicionário de Pintura Portuguesa, da responsabilidade de
José-Augusto França, e o Dicionário de Pintores e Escultores Portugueses ou
que Trabalharam em Portugal, de Fernando de Pamplona, dão-nos só os anos de
1853-1912. O mesmo acontece com o catálogo do Museu José Malhoa (1981),
comemorativo do centenário do Grupo do Leão e, no capítulo O Naturalismo na
Pintura, na História da Arte em Portugal (Publicações Alfa, 1986),
de Maria Margarida L. C. Marques Matias.» (Os sublinhados são meus.)
Não diz Raposo, mas digo eu: Se
olharmos com atenção para a manifestamente errada data da Grande
Enciclopédia Portuguesa-Brasileira, «15-II-1835», logo percebemos que ali
deve haver pelo menos uma “gralha”. Qualquer mediano estudioso da história da
Arte portuguesa desconfiaria que Pinto, membro do Grupo do Leão e
retratado por Columbano no quadro com o mesmo nome, nunca poderia ter nascido
em «1835»!? Pois, se assim fosse, teria mais vinte anos que o seu dilecto amigo
Malhoa?! mais quinze que Silva Porto?! uns nove que Bordalo?! seria ainda mais
velho que os mais velhos do Grupo – Girão e Cipriano?! e teria mesmo boa
idade para ser pai de todos os outros retratados no quadro?! A ter nascido em
tal data, seria quase da idade dos velhos Mestres da Academia, Prieto e Lupi?! -
Poderia lá ser!?
Torna-se, pois, evidente que ali
caiu “gralha”. E que os dois últimos algarismos do ano («3» e «5») estarão com
a ordem trocada. A estarem na sequência devida, teríamos o ano certo do nascimento
de Pinto - 1853.
Depois, já agora, talvez falte um «I»
no número romano do mês. Que, a lá estar, indicar-nos-ia com exactidão o mês de
Março. E temos uma segunda “gralha”.
O dia está certo.
Não houvera “gralhas” e não haveria
controvérsia nenhuma!
Porque essa data seria coincidente,
e muito bem, com a data indicada no catálogo da SNBA de 1941 – 15 de Março
de 1853. E também com as datas referidas pelos citados autores, incontornáveis
na História da Arte em Portugal, como J-A. França, F. Pamplona e Margarida M.
Matias – (1853-1912). E com a data que todos os estudos posteriores e
mais actuais sobre o Pintor vêm repetindo: 15 de Março de 1853.
E, repare-se, não havendo tais “gralhas”,
os dois autores Almadenses, muito criteriosos, sabedores e experimentados (talvez
não tanto nestas coisas das artes), não teriam sido levados ao engano. E Raposo
não teria encontrado «discrepância» alguma.
Como encontrou, e na salutar procura
em deslindar as «discrepâncias» que entendeu incompreensíveis, Abrantes Raposo,
no entretanto e na mesma obra, criou uma nova. E bem mais difícil de resolver.
Apresenta-nos o que chamou «a
Certidão de Nascimento do pintor». Na verdade, e como é evidente, trata-se de
um assento de baptismo. Em tal documento, o Prior da freguesia de Sant’Iago
(Cacilhas), em 24 Jun. 1852, regista o baptizado de um «Manoel», nascido a 2 de
Abril do mesmo ano, filho de Francisco Jorge Pinto e Sebastiana Rosa. E, munido
de tal documento, Raposo estabelece um novo paradigma: Manuel Henrique Pinto «nasceu
a 2 de Abril de 1852».
(Pinto seria, a ser assim, quase um
ano mais velho, e todos os autores teriam andado anos a laborar no erro!?)
É, há muito, sabido que M. Henrique
Pinto era natural de Cacilhas e que seus pais foram os já referidos Francisco
Jorge Pinto e Sebastiana Rosa. Outros documentos o comprovam. Mas será este,
revelado por Raposo em 2002, o definitivo quanto à data de nascimento do
Pintor? Por que razão, até então e depois disso, todos [2] os outros autores afirmam
aqueloutra data, a de 15 de Março de 1853?
(Já vimos que a da Grande
Enciclopédia pode ser apenas “gralha”, e que os autores Almadenses
foram por esta levados ao engano.)
Ora, outras fontes documentais (de uma
outra natureza, é certo, mas igualmente a ter em conta em qualquer investigação
histórica) dizem-nos o contrário da conclusão de Raposo:
Desde logo, vários artigos de jornal
(O Distrito de Portalegre ou A Verdade, de Tomar) que, por
algumas das vésperas dos 15 de Março que Pinto passou por aquelas terras
(entre 1884 e 1888, ou de 1888 a 1911, respectivamente), publicaram os
«Parabéns» da praxe, ao «amigo e sr. Pinto», pelo seu aniversário.
Ou um ou outro postal (dos poucos que
até hoje nos chegaram), com igual propósito aniversariante, subscrito pelo seu
íntimo amigo J. Malhoa e pelos seus. (Alguns destes já há muito aqui mostrados).
Ou, ainda, o pequeno carnet da viúva, Maria da Conceição d’Almeida Pinto, onde se pode ler, na parte dos
aniversários: «Papá - 15 de Março».
Finalmente, a inscrição, gravada na
pedra e para a eternidade, no fuste que suporta o busto de M.H.Pinto (moldado
por Josef Fuller em 1892 e fundido em bronze em 1914) que encima a sepultura do
Pintor no cemitério de Figº dos Vinhos - «Manoel Henrique(s) Pinto | Nasceu
15 Março 1853 | Faleceu 26 Setembro 1912».
E estas são, queira-se ou não,
fontes tão importantes quanto o velho registo do prior de Cacilhas.
Quer isto dizer que o padre faltou à
verdade? que o registo de baptismo não é fiável? Longe disso: parece evidente
que na igreja de Cacilhas, pelo S. João de 1852, foi baptizado um «Manoel»,
filho de Sebastiana e Francisco Pinto.
Agora, e resta saber, é se esse «Manoel»
era mesmo o Pintor ou um seu irmão. Um possível irmão mais velho que,
entretanto e como não era raro à altura, tivesse falecido ainda no berço, e o
filho seguinte de igual sexo (o futuro Pintor) tomasse, como também era uso, o
mesmo nome de baptismo… Repare-se: entre 2 Abr. 1952 e 15 Mar. 1953, medeiam cerca de onze meses e meio, tempo mais que suficiente para uma nova e feliz
gestação de Sebastiana Rosa.
(Esta hipótese, que não passa disto
mesmo - de uma hipótese, discuti-a já, de viva voz e em tempo devido, com o meu
estimado amigo José Abrantes Raposo. Nem ele ficou totalmente convencido, nem
antes pelo contrário.)
Ah! e o assento de baptismo do “segundo”
Manuel? – perguntarão. Pois não se encontra. Nem esse, nem o de uma sua irmã
mais nova, a Margarida, que pelo menos por fotografias se sabe bem que existiu…
A falta dos assentos também não prova o contrário.
Assim, entre o registo do cura cacilhense
que nos parece dizer uma coisa; e (mesmo se toda a vida enganados)
aquilo que parece ser a verdade vivida pelo próprio MHPinto, pela sua família,
os seus amigos (com Malhoa à cabeça), pelos jornais das terras onde foi
considerada figura, e ainda por Pamplona, e França, e Matias, e todos os demais
autores (ante ou após a revelação do tal assento), não parece a coisa merecer
mais rodeios.
Por tudo isto, decididamente: Manuel
Henrique Pinto (Cacilhas, 15 Março 1853 – Figueiró dos Vinhos, 26 Setembro 1912).
22 Nov. 2018. LBG
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[1]. Por via
das dúvidas, nas citações ou referências que se seguem, houve o cuidado de confrontar
a versão final impressa com o caderno original manuscrito por Raposo. Manuscrito
que o Autor fez questão de me oferecer vai para uma década, e que guardo com o
maior desvelo e amizade.
[2]. Todos, todos
não! Que Saldanha, em José Malhoa: Tradição e Modernidade, 2010, afina pelo diapasão de Raposo: embora lhe desdenhe o livro, copia-lhe a data. Ao mesmo tempo que troca o nome ao Padre Ventura Pinho… (ver nota 529).
Ilustração: montagem
sobre um fotograma da animação Der Rabe Und Der Fuchs que pode ver aqui.
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