mais
fanfarra, foguetes, passo-doble
…e
muita “dor de corno”.
Ainda sobre a viagem de José Malhoa ao Rio de
Janeiro, a propósito da sua Exposição no Gabinete Portuguez de Leitura em 1906,
cabem agora umas notas sobre os seus ecos em Figueiró dos Vinhos. Porque têm graça tais ecos, como já soavam a
tacanhez alguns «cavalheiros» ou «taberneiros honrados»…
Logo em 28 de Abril de 1906, O Figueiroense já anunciava o convite feito
a Malhoa pelo Gabinete Portuguez de Leitura e dava alarde de conhecer bem os
quadros da futura exposição, «sendo a sua maioria feitos em Figueiró dos Vinhos
e inspirados nas suas bellezas naturaes»; informava também que a viagem, com a
duração de dois meses, seria feita na companhia do irmão Joaquim.
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O Figueiroense, 28.4.1906, p.1 |
Durante a estada de Malhoa no Rio, em 16 de Agosto de 1906, O Echo de Figueiró, em correspondência de lá para cá ou aproveitando outra qualquer, noticia o
banquete no hotel Paris, o discurso de Coelho Neto e os agradecimentos do homenageado. Como se vê, já naquele tempo, a informação corria rápido e uma vila do interior estava razoavelmente ao corrente.
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O Echo de Figueiró, 16.8.1906 |
Depois, O
Figueiroense, nas edições de 1 e de 9 de Setembro [2], informava quer do
desembarque de Malhoa em Lisboa, ocorrido no dia 28 de Agosto, e da recepção e
«affectuosa manifestação dos seus numerosos amigos à sua chegada»; quer, logo
na semana seguinte, da sua vinda para Figueiró, onde «chegou no dia 5 do
corrente a esta villa, com sua ex.mª familia».
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O Figueiroense, 1.9.1906, p.1 |
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O Figueiroense, 9.9.1906, p.1 |
Mas é a 16 de Setembro, há 106 anos
precisamente, que se dá o acontecimento mais curioso.
A crer na notícia publicada pel’O Figueiroense seis dias depois, mas na
2ª página por via das dúvidas, ficamos a saber que naquele domingo «a Philarmonica Figeiroense foi cumprimentar o sr. Commendador José Malhôa e felicital-o pelo seu feliz
regresso do Rio de Janeiro á sua patria e, aproveitando o ensejo, a sua direcção offereceu-lhe uma pasta que continha a
photographia do seu elegante chalet “Villa Casulo” e um passe double “O
Casulo”, por Filipe José da Cruz, regente da philarmonica».
«A pasta, que foi previamente feita em
Lisboa, de que foi encarregado o pintor Julio de Menezes, é de velludo
carmezim, com a legenda: “Offerece a Philarmonica Figueiroense”, contendo
aquella a photographia e a mensagem que em seguida publicamos.»
A transcrição da dita mensagem é fiel [3] e pode ser lida na íntegra.
Deliciemo-nos com a prosa, especialmente com o período onde se coloca a
hipótese de Figueiró ser «arrazado pelos cyclones e desaparecer pelas evoluções
vulcânicas»… - não havia necessidade!
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O Figueiroense, 22.9.1906, p.2 |
A notícia continua, indicando as
personalidades que se incorporaram no cortejo a convite da Direcção da
Filarmónica: para além de Manuel Quaresma Paiva, Joaquim de Souza, João Luiz Júnior (Agria) e Amadeu Simões Lopes, os directores da agremiação e subescritores da missiva, damos conta do Dr. Manuel de Vasconcellos, de dois Lacerdas –
Samuel e Padre Acúrcio – de António (Lopes) Serra e mais uma dúzia de homens
bons. Depois, descreve-se o acto da entrega da pasta carmesim a Malhoa, as palavras
de circunstância, «rompendo em seguida a philarmonica com o referido passe
double, e subindo n’essa occasião ao ar bastante fogo»… - foi festa a valer!
E remata com um comentário onde se
lamenta que tal manifestação tenha sido combinada «em segredo», reconhecendo no
entanto que tal fora «no intuito de fazer surpreza ao insigne artista», mas que
tal aconteceu «n’uma occasião
em que muitas pessoas das de maior representação estão fóra…», censurava.
Todavia, logo nessa mesma edição de O Figueiroense, ainda se pode ler, na
pág. 3, um artigo assinado por Augusto d'Araújo Lacerda, louvando embora Malhoa e
os seus feitos além Atlântico, onde se percebe o começo de uma grande "dor de corno"...
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O Figueiroense, 22.9.1906, p.3 |
E, no número seguinte, a cefaleia córnea continua
a exprimir-se pela pena de «Um cavalheiro» que, na pág.2, resolve desmentir O Século e a sua «correspondencia d’esta villa»; e mais «Um taberneiro honrado» que, na pág.3, entre vários lamentos e indignações, promete vingança, mais não seja ameaçando
com o «baptizado» do vinho a servir aos seus «bem bons freguezes» da facção rival...
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O Figueiroense, 27.9.1906, p.2 |
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O Figueiroense, 27.9.1906, p.3 |
Infelizmente, não nos chegaram as
correspondentes edições d’O Echo de
Figueiró [4]
- isso é que deveria ser lindo…!
Resta acrescentar que, ao contrário
do noticiado pel’O Figueiroense, a
pasta não era de « velludo carmezim» - é vermelhinha, sim, mas forrada a seda!
E, como se pode ver pela fotografia, pintada
cuidadosamente e assinada «MS» (se é a marca do referido «Júlio de Menezes», não sabemos?!); com os dizeres «A philarmonica Figueiroense a José Malhoa» (aqui imitando a
assinatura do Pintor, portanto uma das primeiras vezes em que comprovadamente
esta não é do seu próprio punho… mas, nisto, compreende-se); e com a representação
do «Casulo», uma paleta e pincéis, uma lira com palma, e uma faixa datada «16.9.906».
…E ainda queria o Lacerda que adiassem a função e esperassem por não sei quem?! Claro que a pasta tinha de ser entregue naquela data precisa!
No interior da pasta, forrado a seda
branca, lá está a mensagem citada, de caligrafia cuidada, sobre papel papiro
dobrado ao meio.
A partitura do «passe double», ao que consta, encontrar-se-á
na actual Filarmónica Figueiroense [5]. Quanto à alegada «photographia»
do «Casulo» - e não se percebe se o articulista se refere a alguma foto que
acompanharia os restantes papéis, se à representação pintada na capa – se tal
fotografia existiu, pode ser uma qualquer que o tempo se encarregou de misturar
com muitas outras…
Como esta, poucos anos depois de prontas as obras de
ampliação do Arq. Luiz Ernesto Reynaud, acabadas por volta de 1900 ou 1901. Com o
volume do atelier – o primitivo «Casulo» - ainda com os três vãos originais.
Com a pequena entrada de luz meridional/nascente na cobertura do atelier que se opunha à grande claraboia
virada a norte/poente (– não, aquilo não é nenhum «sótão»…!). Com os níveis de pavimento
entre o atelier e a moradia ainda desfasados, de acordo com a antiga implantação
da casinha térrea. A varanda da moradia, então de madeira e ferro, com as guardas em
troncos de sobro retorcido e toda aberta a nascente/norte. E o jardim e o lago, aqui acabadinhos de arranjar e
todos mimosos…
Que assim era.
Por fim, atente-se a tudo o que foi escrito. E
perceba-se, de uma vez por todas, que a pastinha vermelha, o histórico «passe double» de Filipe José
da Cruz, a tocata da Filarmónica, o foguetório no ar, a romagem dos citados cavalheiros
e a zanga do Lacerda, ocorreram nesta precisa data, por ocasião e por causa
desta homenagem a Malhoa no seu regresso da triunfante “viagem cabralina”. E
não por outra razão qualquer. Por mais que se deseje.
Que assim foi… (pelo menos até que algo efectivamente mais
palpável, eventualmente, nos possa dizer o contrário).
16
Set. 2012. LBG.
[1] Como em artigos anteriores, do antigo
espólio pessoal de Malhoa, actualmente no Museu José Malhoa ou em colecção
particular.
[2] A última data muito provavelmente
está enganada. O Figueiroense
publicava-se aos sábados e no cabeçalho deste nº 469 lá vem: «Sabbado, 9 de
Setembro de 1906», só que pelo calendário tal sábado foi dia 8… Coincidência ou
não, este será o primeiro de quatro números onde desaparece do cabeçalho do
jornal a indicação do antigo «Proprietario e Administrador - Francisco António
d’Aguiar». Só a 6 de Outubro, no nº 473, voltará indicação de semelhante teor,
mas agora com novo «Proprietario e Director - J. A. Lacerda Junior».
[3] Uma só ressalva: no original, em papel papiro e
de leitura já muito sumida, o membro da Direcção da Filarmónica referido como «João
Luiz Agria», assina «João Luiz Júnior».
[4] Jornal rival da mesma época, que no seu início teve como
um dos seus redactores e proprietários Carlos Silva Graça, possivelmente ligado
por grau de parentesco a José Joaquim da Silva Graça, vizinho pedroguense,
director e proprietário do jornal lisboeta O
Século.
[5] Sobre a história da Filarmónica pode ainda ver:
MEDEIROS, Carlos – Historial das
Filarmónicas de Figueiró dos Vinhos. CMFV, 2007
[Nota, em 18 Jan. 2018] Porque, "misteriosamente", os links que remetiam para os recortes dos jornais da época, e estavam acessíveis através do site da Biblioteca Municipal Simões de Almeida (tio), deixaram de funcionar, optou-se por os eliminar e por integrar todos os recortes no corpo do artigo. Daí a grande extensão que agora aparenta e que pode ser um pouco mais desagradável graficamente. Mas pareceu preferível publicar integralmente todas as notícias referidas ao longo do texto, a remeter o leitor para coisa nenhuma... Fica, assim e pelo menos, à vontade do leitor o ler ou o não ler tais recortes.