Anda a Igreja Católica, muito antes de Santo
Agostinho, a tentar explicar o Mistério da Santíssima Trindade: a
consubstanciação das Três Pessoas – Pai, Filho e Espírito Santo - n’Uma só.
Eu, bem mais modesto em meus propósitos, ando há quase um ano a tentar explicar que L’homme
au capuchon, o Retrato do Exmº Sr.
António Novais, e O Homem do gorro, 1901
– títulos segundo os catálogos do Salon 1901 (nºc.1369), SNBA 1902 (nºc.60), e Exposição
Malhoa 1928 (nºc.33) – são uma e a mesma coisa. Mas parece que não há meio…!?
Com paciência de santo, tentemos de novo. Que
uma publicação «razoável» teima em contrariar…
Comecemos pelo princípio – e no princípio era
o verbo.
Escreve Malhoa, pelo seu próprio punho, no
seu livro de «Receita e Despeza»: «Março de
1901- Despeza com a ida [refere-se, obviamente, ao Salon] dos
dois quadros, “Volta da Romaria”, e “L’homme au Capuchon”, retrato do
Antonio Novaes; e do retrato da D. Thereza Pereira da Costa, e retrato do
D. Emilio Godinez pª a exposição de Madrid – 124$500»
(sublinhado meu).
Pelo próprio Autor da obra, ficamos a saber do que se trata.
Chega?
Não? Continuemos.
Diz-nos
um célebre artigo, muito referido mas que parece ninguém leu, publicado logo
em 1905, em The Studio [1]: «…The Man in the Hood, also of 1901, is one of the most striking of the
master’s works; to prevent its leaving the country it was acquired by a group
of artists and amateurs, who presented it to the nation for the National
Museum...» (vai
no inglês original, por causa de alguma falha na tradução, e a parte citada é de um dos últimos parágrafos, sobre as participações de Malhoa nos Salons internacionais entre 1897 e 1902). Note-se a
referência à movimentação de artistas e amadores para a sua oferta ao Museu
Nacional – episódio conhecido no que toca ao Retrato de Novais… Mais uma vez e para quem queira ver, confirma
que se trata do mesmo quadro.
Ainda não chega? Vamos às Imagens – que não
somos iconoclastas. E as imagens, quando não manipuladas, não mentem.
Mais abaixo podemos ver duas fotos da Grande Exposição de
Homenagem a José Malhoa, realizada no salão da SNBA em 1928.
Contrariamente ao que muitas vezes é levianamente
escrito, no Catálogo da Exposição [2] nunca é mencionada a
presença do Retrato do Novais –
nunca! Nem entre os 132 «Óleos», nem nos sequentes 14 «Retratos», tão pouco nos
restantes 5 «Pasteis» ou entre 10 «Retratos» a pastel - o total das 161 obras
catalogadas. Retrato do Novais, enquanto tal, não
consta!
Como não consta em nenhuma das 98 estampas
numeradas ou nas duas que abrem e fecham o livro!
Aliás,
é bom que se esclareça que muitas destas estampas nada têm que ver com as obras
presentes na Exposição – são fotos, algumas únicas e portanto preciosas, que
Malhoa guardara ao longo da vida, de muitas das suas obras. E, sem ser
exaustivo e olhando só as primeiras vinte, logo notamos que À Missa das seis, Os Ouriços, Cócegas 1894,
A Sesta (dos ceifeiros), A Olinda do lagar, com direito a belas
fotos, são obras que não constam no catálogo, e que as fotos de Os Oleiros e de À passagem do
combóio são as dos quadros que jaziam no fundo do Mediterrâneo ia para três
décadas… Bom será, portanto, que se não confundam os bonecos com o conteúdo da
Exposição.
O que encontramos registado no Catálogo da Exposição, com o nº 33, é «O Homem do gorro, T. [tela]
63x50 - 1901. Museu de Arte Contemporanea».
Alguém já se interrogou sobre que quadro
seria este e como, se por hipótese fosse outra coisa qualquer, pode haver desaparecido do
Museu? Não? Pois não, porque o quadro é este – este que aqui vemos na dita Exposição, ao lado de Dar de beber a quem tem sêde, (nºc.103)
– o Retrato do fotógrafo António Novais,
sem tirar nem pôr, sempre foi O Homem do gorro (nºc.33).
É por isto que a historiografia “oficial” do Retrato de Novais refere sempre, e bem,
entre as exposições em que esteve presente, esta de 1928 – no meio da confusão…
algo acaba por estar certo - nunca lhe consegue é atribuir um nº de catálogo - porque será? Falta-lhe sempre é o Salon de 1901 - falta importante, pois é aquele onde Malhoa recebe a Mention honorable, se bem que atribuída a Le retour de la fête. A dita historiografia “oficial” também nos descreve o Retrato de Novais deste modo: «Retrato
de um amigo do pintor em busto de frente, de barba e bigode aloirados, vestido
de negro sobre um fundo escuro, envergando uma capa nos ombros e um
gorro de recorte renascentista na cabeça...» (o sublinhado
é meu).
Porque - e esta é a verdade - L’homme au capuchon, o Retrato do Exmº Sr. António Novais, e O Homem do gorro, 1901, são uma e a
mesma coisa. Diz o Malhoa, digo eu e dirá quem pense duas vezes.
Está bem e recomenda-se. No Museu de José Malhoa, nas Caldas da
Rainha.
Já agora, que aqui estamos com estas fotos
na frente, aproveitemos para confirmar uma outra história. História já antes
explicada aqui e que, num momento de caridade cristã, tentei pessoalmente
explicar a determinada criatura. Como, pela segunda vez, ao que lhe digo, faz precisamente
o contrário, e o Senhor só nos ensina a dar por duas vezes a face, fica cumprido o preceito.
Vamos aos factos.
No mesmo Catálogo de 1928, lá aparece, com o
nº 74, «Provocando. T. 70x80 – 1914. Ex.mº Snr. Cruz
Magalhães».
Entre as estampas, encontramos com o nº
XXXIV, Provocando, e com o nº XLI, A Provocante.
E qual destes quadros - como antes explicado,
atreitos a trapalhação - esteve na dita Exposição de 1928? Qual? – Ó para ela
ali, entre a segunda versão de Basta, meu
pai! 1910 (nºc.55), mais dois outros quadrinhos difíceis de identificar, e À sombra da parreira (nºc.121), a serigaita
atrevida de A Provocante, 1914 - afinal, o nºc.74, esta e não o outro - toda contentinha a
olhar para nós!
Como é evidente! E como tudo indicava: a
propriedade de Cruz Magalhães; as mediadas, então usadas ao invés, mais não
seja a diferença de proporções entre uma coisa quase quadrada ou um rectângulo franco; a data e a confusão do título, que “oficialmente” ainda hoje continua trocado! Para quem quisesse pensar só um bocadinho…
Mas não! Uma "razoável" inteligência lucubrou
durante uma década e permite-se agora afirmar quanto a esta tela, apesar de reconhecer as
trocas de títulos - «Embora venha reproduzido no Catálogo de 1928, não fez
parte da exposição» - e, quanto ao outro pequenino retrato vendido no Rio de Janeiro e por terras de Vera Cruz ainda perdido
- «Esteve na Exposição de Homenagem, em 1928…», e tem o desplante de o "dar" de barato ao Cruz
Magalhães!!!
Francamente! Dá para acreditar? Vale a pena
um tipo perder tempo com coisas destas?
Concluindo, e em verdade vos digo: será bem mais
fácil uma cabeça de cavalo, ainda que velha e rasgada, entrar no reino do Mestre que, mesmo só em
espírito, o de certas cavalgaduras.
E duvidai, duvidai sempre de algo que d'ali venha.
11 Nov. 2012. LBG.
Adenda:
E, já agora, fica também uma foto de uma das salas do Museu d'Arte Contemporânea, publicada ainda em 1916, onde lá vemos «O Homem do gorro», 1901, a espreitar por detrás dos jarrões...
5 Out. 2015. LBG.
Adenda:
E, já agora, fica também uma foto de uma das salas do Museu d'Arte Contemporânea, publicada ainda em 1916, onde lá vemos «O Homem do gorro», 1901, a espreitar por detrás dos jarrões...
5 Out. 2015. LBG.
[1] The
Studio. London, Aug. 15, 1905, vol.35. nº149. p.246
[2] Que integra o Livro de Homenagem ao Grande Pintor José Malhoa – Realizada, com a
exposição das suas obras, na Sociedade Nacional de Belas-Artes em Junho de 1928
– Com 100 reproduções de obras do Mestre e mais 3 ilustrações. Lisboa, 1928
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