Na 4ª Exposição do Grémio
Artístico, em 1894, José Malhoa apresenta dois quadros de Nu – Antes da sessão, 1894, e Descanso, este não datado. Um ao alto,
outro ao baixo. Um com a modelo de pé, outro com ela sentada. Ambos pintados
ainda no atelier da Academia, ambos
com a mesma jovem modelo.
Referidos e comentados pela
imprensa da época – sempre eram algo de novo na obra do Pintor – fácil seria a
sua identificação [1]. Mas não! Pouco tempo depois já lhe trocavam os nomes e, hoje
em dia, não raro ainda atrapalham.
Em Antes da sessão, 1894, Malhoa mostra-nos a modelo de pé, de costas
para o observador, frente a um reposteiro verde, aquecendo-se a um braseiro –
como o nome indica(va), aquecia-se antes de iniciar a sua sessão de pose. Este
quadro foi então doado à Academia como prova de Académico de Mérito. Depois
mudaram-lhe o nome – passaram a chamar-lhe Descanso
do Modelo. Da Academia passou ao Museu de Arte Contemporânea, deste até às
Caldas, ao Museu de José Malhoa, onde hoje o podemos admirar sob este equívoco
título.
Na tela Descanso, assinada mas não datada, Malhoa mostra já todo o espaço
do velho atelier. Vemos ao fundo o
tal reposteiro verde e um biombo – era ali que, ainda há pouco, a rapariga se
despiu e se aquecia – percebemos agora!
Quadros, molduras, o pote dos pincéis,
cavaletes, mesas, cadeiras, uma salamandra acesa, a tralha do costume. E a
mesma rapariga, agora sentada no escadote de pose, numa pausa do seu trabalho –
daí o nome: Descanso. Mais além,
também na pausa, o pintor fuma o seu cigarro e observa os esboços que acabou de
fazer… isto, ou algum amigo e coleccionador vai vendo alguns novos trabalhos…
conforme queiramos [2]
Este quadro foi depois até ao Brasil, abrasileiraram-lhe o nome – é agora O Ateliê do Artista – e está no MASP de
S. Paulo.
Mas em desenho, a rapariga cá
ficou. E é um belo desenho! Preciso, com os contornos e linhas principais bem
definidas. Os panejamentos, como transparentes, permitem ver as linhas da
construção do escadote. As sombras, que se percebe terem sido bem estudadas na
perfeita modelação do corpo, aparecem sumidas, como apagadas. E a quadrícula
para transferência está igualmente ténue, como tivesse sido usada no início,
numa ampliação anterior.
José
Malhoa. Descanso, estudo. c.1894. Desenho a carvão sobre papel, 62x47. a. | n.d
|
Porque, agora, vendo melhor os contornos – e olhando para o verso da folha, onde os mesmos surgem em grosseiro traçado a carvão – tudo aponta para que a derradeira transferência, para a superfície final da tela, tenha sido feita por decalque desta mesma figura… A ser assim – e tal teoria só poderá ser comprovada face ao quadro do MASP [3] – estaremos perante a última vida em papel daquela “moça gostosa” que agora vai torcendo pelo Corinthians com uma pontinha do coração pela Portuguesa.
E tão “gostosa” ela anda [4],
ao fim de todo este tempo, que às vezes ainda lhe dão uns vinte e tal anos a
menos. É obra, aqui a menina!
[1] Veja-se, a este propósito, a crónica
publicada por O Occidente (nº558, 21
Jun.1894, p.146), assinada por Manuel M. Rodrigues, relativa à Exposição desse
ano no Atheneu Comercial do Porto. Através dela ficamos a saber que Malhoa
levou à Invicta os quadros: A última gota,
1891, Os ouriços, 1894, Antes da sessão, 1894 e Descanso, c.1894. Todos eles estão
descritos ao pormenor, não restando dúvidas sobre as obras em causa. Contudo,
M. Rodrigues, descrevendo clara e pormenorizadamente os dois últimos, troca-lhes já os títulos. Começa pois, logo no ano da sua apresentação, a saga confusionista...
(nota acrescentada em 7.8.2013)
[2] Sobre este segundo personagem têm surgido ultimamente naturais desejos de o identificar. Há quem veja ali Silva Porto, o saudoso Mestre do Grupo do Leão, morto precisamente no ano anterior à apresentação pública desta tela, vendo nisso uma homenagem de Malhoa ao velho Amigo, passada já a birrinha a propósito do Marquês de Pombal – pode ser, seria bonito, fisionomicamente difícil. Outros artistas, brasileiros e portugueses, têm sido aventados putativos candidatos ao lugar – incompatibilidades cronológicas ou fisionómicas impedem. Quem sabe, talvez, o Comandante Augusto Cardoso, herói de África, companheiro de Serpa Pinto, membro da Sociedade de Geografia, grande Amigo e Compadre de Malhoa e Henrique Pinto, com quem Malhoa mantinha uma conta corrente – recebia dinheiro emprestado, pagava-lhe em quadros – as circunstâncias e as parecenças permitem-no.
(nota acrescentada em 7.8.2013)
[2] Sobre este segundo personagem têm surgido ultimamente naturais desejos de o identificar. Há quem veja ali Silva Porto, o saudoso Mestre do Grupo do Leão, morto precisamente no ano anterior à apresentação pública desta tela, vendo nisso uma homenagem de Malhoa ao velho Amigo, passada já a birrinha a propósito do Marquês de Pombal – pode ser, seria bonito, fisionomicamente difícil. Outros artistas, brasileiros e portugueses, têm sido aventados putativos candidatos ao lugar – incompatibilidades cronológicas ou fisionómicas impedem. Quem sabe, talvez, o Comandante Augusto Cardoso, herói de África, companheiro de Serpa Pinto, membro da Sociedade de Geografia, grande Amigo e Compadre de Malhoa e Henrique Pinto, com quem Malhoa mantinha uma conta corrente – recebia dinheiro emprestado, pagava-lhe em quadros – as circunstâncias e as parecenças permitem-no.
Ou, como diria Maria de Aires Silveira, a
propósito d’ O Grupo do Leão, 1885,
de Columbano, «…é um desconhecido, um mistério, como
convém num quadro desta importância...»
[3] Neste desenho, a
figura, da ponta da cabeça à linha onde a nádega assenta no banco, mede 41cm.
[4] «Adere
irresistivelmente à retina a longa e elegante extensão das costas que fazem
lembrar A Grande Odalisca em mudança de posição. Também esta modelo parece
ter, pelo menos, uma vértebra a mais.» - dizem-me aqui ao ouvido.
... e para descanso das nossas cabeças
Este, um artigo por mim publicado no catálogo
A Duas Mãos | Desenhos Inéditos | Manuel
Henrique Pinto e José Malhoa, pelo Centenário da morte de Manuel Henrique
Pinto, editado pelo Município de Figueiró dos Vinhos - Clube Figueiroense, em
Setembro de 2012.
Agora que a menina está prestes a
sair de novo à rua, numa nova apresentação da referida exposição - revista
& aumentada e ainda em escolha de Sandra Leandro e minha – e que terá lugar
no Museu José Malhoa nas Caldas da Raínha, a partir de sexta-feira, convém
acrescentar mais umas coisinhas ao que foi então escrito.
Tal tem a ver com a hipótese enunciada de «a
derradeira transferência, para a superfície final da tela, te(r)
sido feita por decalque desta mesma figura…». Dizia então que «tal
teoria só poderá ser comprovada face ao quadro do MASP». E
como não ando propriamente a brincar – embora possa parecer – a coisa foi confirmada.
Graças a ajudas desinteressadas, que registo e muito agradeço, e que foram
desde visitas ao MASP armadas de fita-métrica – frustradas, que o quadro não
estava lá – até pedidos à Coordenadoria de Acervo do Museu de
Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, a resposta chegou. Não a tempo da edição
do catálogo, mas um tempo depois:
...e o pote dos pincéis também
ainda sobrevive.
|
«Prezado
Sr Luis
Conseguimos fazer as medidas que o senhor solicitou.
Da nuca até o banco dá 33 cm e do topo da cabeça até o banco dá 40,2 cm.
Lamento muito pela demora, mas como disse anteriormente ela estava emprestada a outra instituição e só retornou semana passada ao MASP.
Atenciosamente
Tariana Maici de Souza Stradiotto»
Atenciosamente
Tariana Maici de Souza Stradiotto»
Confirma-se assim – os 8mm de diferença são absolutamente desprezíveis e a outra medida
também bate certa – que este desenho é mesmo o que terá servido a Malhoa para
decalcar sobre a superfície da tela a “moça gostosa”
que
Descans(ava) no Ateliê do Artista ali na Academia
das Bellas-Artes, pelo ano de 1894 – e não noutro qualquer.
E que, a partir do final da semana e até 14 de Julho,
poderão ver (ou rever), juntamente com mais dúzia e meia de outros interessantes
desenhos - três deles absolutamente inéditos - de Malhoa e Henrique Pinto, no Museu José Malhoa nas Caldas da Raínha.
14
Mai. 2013. LBG
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