quinta-feira, 16 de abril de 2020

À sombra do Plátano (I)

Uma crónica de "M. Henrique Pinto"

O Plátano, esperando a Primavera chegar... Portalegre, 23 Fev. 2020.






.
«Em Portalegre, cidade | do Alto Alentejo, cercada |
de serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros…»

Muito antes do Régio ter escrito a sua bela «Toada de Portalegre», também “eu” aqui «morei numa casa velha, | à qual quis como se fora | feita para eu morar nela…». Primeiro à Corredoura, depois pela rua de Elvas.
Cheguei pelo Outono de 1884, a abrir, organizar e dirigir a nova «Escola de Desenho Industrial Fradesso da Silveira». A princípio era “eu”, o contínuo e pouco mais… D’entre o rapazio que acorreu às “minhas” aulas, um houve que se fez mais: um tal de Benvindo Ceia - ainda hoje Artista relembrado na terra «do tal suão». [Mereceria sê-lo mais, mas enfim…]
No Verão seguinte fui, como começava a ser costume, a Figueiró, desta vez para casar. Logo voltei, já acompanhado da “minha” Mª da Conceição… E por Portalegre continuei mais uns bons pares de anos «em que vivia e vivera, | como se fizera um poema, | ou se um filho me nascera». Poemas, fi-los pintando e ensinando. Um filho nasceu-me mesmo: o primeiro, o Luiz, na noite do final d’Ano de 1886.
Depois, acabado o ano lectivo de 1888, mudei-me para Tomar. Não porque «em Portalegre sofria (…) no tédio e no desespero | no espanto e na solidão» - nada disso! que ali terei feito bons amigos... Apenas porque Tomar ficava bem mais pertinho de Figueiró.


Castelo de Portalegre. Apontamento a lápis em folha de álbum, um dos primeiros, datado logo de 26 Nov.1884.


Daquilo que em Portalegre pintei – talvez como o Poeta depois pintaria: «serras deitadas nas nuvens, | vagas e azuis da distância, | azuis, cinzentas, lilases, | já roxas quando mais perto, | campos verdes e amarelos, | salpicados de oliveiras…» - sabe-se hoje muito pouco.
Os catálogos do «Leão» dão, contudo, preciosa ajuda.
Logo na 4ª do Leão os dois quadros apresentados são ainda de feitura figueiroense. Mas no ano seguinte (1885): «Um pegulhal»*, «Senhora da Esperança, Portalegre»*, «Um carril no matto, Portalegre», «Pedra alçada, Portalegre», «Cabeça do Mouro, Portalegre», «Fonte dos Fornos, Portalegre», «Bemposta, Portalegre», «Bomfim, Portalegre», «Pedra alçada, Portalegre», ainda «Pedra alçada, Portalegre», «Bomfim, quinta do conde de Mello» e mais um que vinha de Figueiró – em doze, onze títulos trastaganos na 5ª do Leão! Já na apenas um: «Ponte velha, Portalegre»* (os outros são figueiroenses). E na encontramos «Pastagem no Alentejo»** e «Valle dos Zebros» («Areal» será figueiroense). Finalmente na , apenas «Ribeira de Niza» (que os outos são já Tomar e Figueiró). Pelo meio, na 14ª da Promotora (1887), «Ponte Velha» deverá ser repetição do anterior, dois serão figueiroenses, e há um misterioso «Arrabaldes» não se sabe bem d’aonde?!

Catálogo da «5ª exposição d'arte moderna» (Grupo do Leão) desenho do Autor - repare-se na assinatura.

[Apenas dos títulos assinalados* se conhecem estas gravuras da época ou estudos realizados para a sua feitura. «Pastagem no Alentejo»** poderá, ou não, ser «Um pegulhal» já com nome que os ignaros lisboetas entendessem… E de todos os restantes ignora-se hoje o que possam alguma vez ter sido…!?]

«5ª exposição d'arte moderna», gravura publicada n'O Occidente.

Acrescem, talvez ou por certo, mais um ou outro que não foram a exposição alguma ou que por Portalegre deixei em mãos de amigos ou conhecidos.
Todavia, salvo alguns dos estudos parcelares atrás referidos e um ou outro esboço, de praticamente todos aqueles títulos de fábrica portalegrense desconhece-se paradeiro. O que muito venho lamentando!

«6ª exposição d'arte moderna», gravura publicada n'O Occidente.

Ora acontece, como «qualquer sementinha | que o vento que anda, desanda | e sarabanda e ciranda, | achara no ar perdida, | errando entre terra e céus... | e louvado seja Deus! | eis que uma folha miudinha (…) me trouxe a mim essa esmola | esse pedido de paz». “Eu” já vira, mas um rapaz, bom amigo ali da página, chamou de novo a atenção que em almoeda estaria um quadro de minha mão… [ena! parece que tomei a toada… juro: foi sem intenção].
Trata-se desta pintura [por estes dias em leilão on-line na «Cabral Moncada Leilões» - leilão 1233, lote 37] um óleo sobre tela, com cerca de 35x50.


[Já tenho clamado e desdito sobre alegadas “minhas” «autorias» em pinturas que são, afinal, do José António ou do Pedro Jorge Pinto (pai e filho, meus dilectos sobrinhos)...]
Desta vez é ao contrário. É para dizer, alto e bom som, que este quadro é “meu”. Seguramente de “minha” lavra!
A assinatura, ao que dá para perceber, é a “minha” - uma menos conhecida, é certo, mas a que “usei” precisamente por aqueles anos de 1885 e 86.
[Há um quadrinho “meu” no Palácio da Ajuda, durante décadas, logo desde o arrolamento, erradamente atribuído ao Souza Pinto (se calhar, por isso, o mantiveram à vista…), com esta mesma assinatura. Não faz muitos anos, finalmente, deram o seu a seu dono. Devo-o ao João Vaz - não o meu velho camarada do Leão, mas um seu bisneto; o dele e o meu lá se entenderam… – fico agradecido pela eternidade!]
E, certamente por tudo isto, pela sua feitura, arquitecturas, «oliveiras e sobreiros», este agora revelado é um quadro dos meus tempos de Portalegre…!

Não faço, como já se percebeu, é a mínima ideia que quadro seja?!
[Só um portalegrense sabedor, conhecedor dos velhos lugares, hoje quase todos integrados já na malha urbana e outros bem fora de portas, poderia eventualmente identificar o local, perceber do que se trata, dar o nome aos bois...]

É uma pena, pelas actuais circunstâncias, não o poder ir ver ao vivo. Como gostaria!
Pelas fotos fica-se com a ideia de ter sido limpo com alguma, digamos, intensidade... e disso, a assinatura, muitas vezes aposta depois da primeira camada de verniz, parece ter-se ressentido... Reparo ainda, embora o tenham dado como de «assinatura não identificada», que o valor base é relativamente elevado para um leilão on-line. Talvez sinal que a pintura não seja assim "má de todo"… que aquilo é gente que sabe o que faz, com olho habituado ao bom e ao mau, e que teve ocasião de ver a coisa ao vivo. Confio. E fico muito satisfeito.

«Vento suão, obrigado...| pela doce companhia | que em teu hálito empestado | sem eu sonhar, me chegara!». «Aos pés lá da casa velha | cheia dos maus e bons cheiros | das casas que têm história | cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória».
«Em Portalegre, cidade | do Alto Alentejo, cercada…»


16 Abr.2020. MHP. (por interposta pessoa).

 O quadro existente no P.N. da Ajuda (inv. 1658), um óleo s/ tela, 35x59. Provavelmente «Na Santarem, Figueiró», c.1886.  

 Pormenor da respectiva assinatura.


3 comentários:

  1. Boa tarde
    Vejo que há dois ou três quadros com o nome de "Pedra Alçada". Referem-se à povoação de Pedra Alçada pertencente ao concelho de Portalegre e no caminho Portalegre - Figueiró dos Vinhos?
    Cumprimentos
    Fernando Pires

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Três. Segundo o catálogo da “5ª do Leão” (1885), há três quadros com tal título - «Pedra alçada, Portalegre» (assim grafado, respeitando maiúsculas e minúsculas e com a indicação do local - «Portalegre»).
      Com os nºs de catálogo 83, 88 e 89. Sem indicação de tamanhos, têm todavia os preços: o primeiro custava 15$000 réis, os outros dois 6$000 cada (a título de exemplo, «Um pegulhal» custava 120$000, «Senhora da Esperança» 18$000, e «Bomfim, quinta do conde de Mello» 45$000). Por aqui, calculo que aqueles fossem quadros de bem pequena dimensão.
      Desconheço qualquer outra indicação do que possam ter sido (ou ser, caso ainda existam). Nem o motivo registado, sequer o lugar das tomadas da vista (se é que eram simples paisagens?...).

      «Pedra Alçada» é, muitas vezes, topónimo relacionado com megálitos, menhires ou restos de esteios de antas. Mas pode referir-se também a lugares de penedos ou fragas erectas, acentuadas escarpas. E, como os chapéus, há muitos. São muitos os locais assim designados, mais ainda na região norte-alentejana.
      Em Portalegre há notícia da venda de um olival a George Robinson (1815-1895), o industrial das cortiças que em Portalegre se instalou em 1848, um olival sito precisamente em «Pedra Alçada», freguesia de S. Lourenço. Esta antiga freguesia (hoje agregada à da Sé) estendia-se pela parte norte da cidade, e dela faziam parte locais já fora das muralhas medievas mas bem no centro da nova cidade burguesa - o Convento de S. Bernardo, o Calvário, o Colégio de S. Sebastião/Real Fábrica de Lanifícios/Fábrica Grande (hoje Câmara Municipal), o Plátano, etc.; mas também pelos arrabaldes, como o Bomfim (que hoje é nome da Avenida de entrada pelo norte) topónimo que aparece no título de outros dois quadros. De S. Lourenço tomou também nome a hoje Escola Secundária, a herdeira da velha «Escola de Desenho Industrial Fradesso da Silveira» que Pinto foi abrir em 1884. E parece que haverá algures uma «rua das Pedras Alçada» (?), mas não a encontro nos mapas…
      Se era por ali, ou por outro sítio qualquer, o lugar das pinturas, ou se eram mais que um os lugares das ditas «Pedra(s) alçada(s)», não faço a mínima ideia.
      Por outro lado e por exemplo, o pequeno santuário da «Senhora da Esperança», dito por Pinto em «Portalegre», se bem que no concelho, fica já longe da cidade, junto a Ribeira de Nisa… E outros assim haverão...
      No entanto e para o caso, interessar-me-ia mais saber do «Bomfim, quinta do conde de Mello», de «Valle dos Zebros» ou de «Ribeira de Niza» que, pelos preços de catálogo e consequente tamanho, poderão eventualmente ser o quadro agora em apreço.

      Quanto ao caminho de Portalegre a Figº dos Vinhos.
      Ele, agora, há umas IP’s, umas IC’s, e umas AE’s (algumas com “portagens electrónicas” - que eu, pessoalmente, me recuso a usar - as outras pago-as com gosto…) mas, sinceramente, de Portalegre a Figueiró, não faço ideia qual seja o melhor caminho. Nunca fiz.
      Por volta de 1884/1888, aparentemente, o mais perto seria por Nisa e V.V. de Rodão, Proença e Sertã, atravessar o Zêzere na barca de Cernache, ou dar a volta pela ponte filipina dos Pedrógãos. Mas não creio que houvesse então ligações regulares por tais caminhos, com tantos montes e vales, e seria o cabo dos trabalhos!
      Estou em crer que MHPinto usaria o caminho-de-ferro. Sempre era o progresso. A linha do Leste estava ao serviço desde 1863. E, embora da cidade a “Portalegre-gare” distassem duas a três léguas, seria esse o melhor trajecto. Por Abrantes e Entroncamento, dali ao Paialvo, depois a diligência até Tomar, e de novo em diligência a Figueiró. Continuava a ser uma trabalheira, mas deveria ser isto.

      Como vê, não lhe soube responder. Mas sempre disse algumas coisas de novo.

      Outros há que falam, falam, falam, falam... e eu não os vejo a dizer nada. (Pelo menos coisa que se entenda, ou de verdadeiramente útil.)

      Abraço.
      LBG

      Eliminar
  2. Obrigado pelo esclarecimento e pelas novas abordagens sobre como ir de um ponto a outro neste país de encantos. Um dia talvez apareça pintura que aborde as "boas pingas" da região de Portalegre. Abraço

    ResponderEliminar

O seu comentário, contributo ou discordância é sempre benvindo. Será publicado logo que possível, depois de moderado pelo administrador. Como compreenderá, não publicaremos parvoíces... Muito obrigado.