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Da Fabrica que faleçe ha [Villa de Figueiró] [1]
Da Fabrica que faleçe ha [Villa de Figueiró] [1]
Auto-retrato de Francisco d’Olanda, dando o seu livro à malícia do tempo, in De Aetatibus Mundi Imagines
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Eu, se calhar, fazia melhor em estar calado.
Mas acabo de
pagar o IMI. E fi-lo de uma só vez!
[Que me
lembro sempre de uma conversa com a Senhora Vereadora, e minha querida amiga
Marta, em que ela se lamentava desta coisa das prestações atrasar os recebimentos
do Município. Faço-o em Figueiró, com outras Câmaras aproveito a benesse.]
Assim, porque
contribuindo, ainda que com umas centenas de euros, para a coisa, sinto-me no
direito de também aqui mandar uns bitaites.
Diz que a «Câmara Municipal [de
Figueiró dos Vinhos] recupera as cores originais do edifício e das
janelas». Depois, tanto se fala em «recuperar o tom original das
paredes», como na «retoma da cor específica original» [coisas,
tom e cor, bem distintas]. Diz também que tal «mereceu
demorada pesquisa». E pespega-nos com uma foto dos velhos Paços do Concelho
(creio que c.1905).
Nessa foto,
apesar de ser a p&b (ou sépia, no original), percebem-se os paramentos
exteriores pintados num tom fortíssimo, e pode-se entender a cor
como uma caiação à base de uma terra escura – provavelmente não um ocre
(que na foto seria por certo mais claro), mas possivelmente um almagre (oxidum
rubrum ferri) [2] ou outra terra vermelha.
Para que todos percebam, sem ser
preciso «demorada pesquisa» ou deitarmo-nos a adivinhar, e porque
foi uso generalizado por todo o séc.XIX em palácios, conventos e outros edifícios
públicos, em linguagem corrente, falo de “amarelo quase torrado” (o que, parece,
não seria) ou “vermelho sangue de boi”… [Também se usou, embora menos, o azul
e, mesmo, o verde, variando muito, então sim, a intensidade do tom].
É, pelo
menos, o que a foto nos mostra.
E isto, a ser assim, assusta! Assusta,
e muito!
Mas pode ser
que não seja… pode a foto ser apenas uma ilustração de circunstância…
[Isto
pensava eu! até voz amiga me chamar a atenção de ali, na outra foto, por
debaixo dos panos (os dos andaimes), já se ver a fachada posterior enrubescida
de vergonha. A coisa vai mesmo de vento em pôpa!?… Mas prossigamos, como se
ignorantes fossemos]
Afinal, qual seria «a cor
específica original»? E de qual «edifício dos Paços do Concelho»
estaremos a falar?
A mais antiga imagem que conheço [mas
isto sou eu, um não conhecedor] do edifício da Câmara é uma gravura a
p&b, publicada na Illustração Portugueza em 12 Jul.1886.
Não sabendo
se por fantasia do artista ou por ter sido mesmo assim, vemos um
edifício simples mas digno, bem de finais de XIX. Aparentemente com belas
cantarias trabalhadas: nos cunhais, nas pilastras que enquadram o módulo central
de entrada, no soco do embasamento. Aparentemente também em cantaria seria o
listel que marcava a separação do andar nobre e do piso térreo. [Ora, nada
disto veremos nas fotos posteriores?!]. Também as cantarias que emolduram os
vãos aparentam, na gravura, uma bem maior imponência face ao que veremos depois
em fotografias…. Igualmente a caixilharia apresenta-se aqui bem mais rica do
que a veremos fotografada. [Sobre tudo isto, não é crível que tenha havido mudanças
tão radicais ente 1886 e 1897 ou 1905…].
Olhando a
gravura, e face à profusão de cantaria, pensaremos imediatamente que o
revestimento do paramento não fosse outro que caiado a branco…
[Mas, lá
está, tudo isto pode não passar da fantasia do artista… e a realidade
ter sido outra bem diversa...]
De 1897, publicada n’O Século a
18 Jul., há uma outra. Mais próxima das fotos que virão a seguir, pelo que as
considerações serão as mesmas.
Quanto à cor,
esta gravura deixa-nos completamente em branco!
Posteriores àquelas gravuras, existem imagens
da antiga Casa da Câmara já em fotografia [suporte onde a fantasia tende
a ser mais comedida]. Eis duas [e aqui já as paredes são escuras]. Um postal
editado pela «Casa Godinho» c.1905, e um outro já bem posterior, finais da
década de 20, salvo erro.
As diferenças
principais estão na iluminação pública – a primeira mostra lampiões baixos para
serem acesos a lume e manualmente, a segunda mostra candeeiros inacessíveis,
possivelmente já eléctricos [e ainda um poste eléctrico ou telefónico à esquina
do sr. Joãozinho da Praça]. Na primeira foto ainda lá está a coroa sobre o
escudo nacional, na outra o símbolo monárquico desapareceu.
Depois de
vermos a primeira gravura, surpreendemo-nos com estas duas fotografias. Até
parece que são de uma outra coisa!? A riqueza aparente das cantarias
desapareceu quase por completo. Parecem resumir-se às molduras dos vãos [e mais
pobrezitas, por sinal] e ao soco [pouco maior que um rodapé]. Cunhais,
pilastras, cornijas, empenas do frontão, tudo parece agora feito em massa ou,
quando muito e nalgumas partes, num mísero forro de pedra serrada… [ou nem
isso].
[Percebe-se
agora que a gravura de 1886 não passou mesmo da fantasia do artista
e não deverá ter alguma vez correspondido à verdade. Ou, quem sabe, corresponda
a um esboço do projecto idealizado…?! Portanto, nunca saberemos se alguma vez
os velhos Paços do Concelho foram caiados a branco…]
Por outro
lado, nestas duas fotografias, vê-se perfeitamente que os panos de reboco eram
pintados numa cor forte, que as escorrências da água sob os peitoris lá iam
marcando a pintura ou, vinte anos depois, que esta se encontrava toda manchada
a descolorir… [o que é perfeitamente normal e expectável].
Fosse como fosse, fácil é perceber a
razão da Casa da Câmara ter sido caiada a almagre [ou outra coisa
parecida]. Confrontada então pela massa imponente dos três pisos de elevado pé
direito da que fora a antiga Torre dos Souza, tendo quase às ilhargas o Solar,
de um lado, e a Matriz do outro, à pobre Casa da Câmara só a força de um
forte colorido podia emprestar presença e dignidade inerentes ao seu lugar
central no Largo mais importante da Vila.
A velha Casa da Câmara, entre o Solar e a Matriz, tendo pela frente o que restava da Torre
dos Vasconcellos e Souza. Só mesmo aquela corzinha a safava…
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O truque da cor nos edifícios
sempre fez milagres [ou antes pelo contrário] e é coisa sabida há muito, muito
tempo. [Os nossos bisavós sabiam-no, e não eram assim burros de todo…]
Ficamos é
sem saber se sempre assim foi, ou se e quando terá mudado de cor… E,
finalmente, qual seria exactamente essa cor e qual o tom? [mas, isto,
deixamos para quem sabe…].
Passando trinta e poucos anos em
Monarquia e toda a primeira República, aquela fachada simples mas de escorreito
desenho, aquele rectângulo ao baixo coroado por um pequeno frontão aberto no
centro, aquele volume modesto mas de forte colorido lá foi cumprindo funções - quer
enquanto edifício público quer como fecho urbano do nascente da Praça. Meio
século passado em tais serviços, vieram tempos novos. E logo tomou a Câmara o
dr. Barreiros.
«Simbolisa
o desleixo, o abandono dos povos, o atrazo do país» - assim se referirá ele
ao velho edifício.
Certo é, dez anos passados do 28 de
Maio [está agora a fazer 84 anos], o dr. Barreiros e a sua Comissão
Administrativa apresentavam aos figueiroenses os novos Paços do
Concelho. «Símbolo de dura luta (…) que a comissão administrativa da
Câmara Municipal tinha reconstruido e ampliado, e que um incêndio devorou na
noite de 28 para 29 de Maio de 1936» - dirá a propósito.
Não durou
muito, portanto. Nas vésperas da sua inauguração, já com grande parte do
recheio e dos arquivos públicos instalados, boa parte do novo edifício ardeu. Assim
foi.
Na verdade e simplificando, tratava-se do velho edifício com mais um andar em cima. Ocupava
exactamente a mesma superfície de terreno, a frente apresentava os mesmos sete
vãos, as ilhargas os mesmos quatro. Em vez de dois, tinha três pisos. Talvez
mais uns aproveitamentos sob o telhado. E possivelmente bastantes alterações
interiores.
A única
fotografia que se conhece [quero dizer, que eu conheço] é esta, publicada no
livro Doze Anos de Administração Municipal (1930-1942), escrito por [ou
para] o dr. Manuel Simões Barreiros. E mostra o edifício logo após o incêndio.
[Como qualquer
um já percebeu, Barreiros reconstruiu e ampliou o velho edifício; este, praticamente
pronto, ardeu; depois, como veremos adiante, o dr. Barreiros voltará a
reconstruí-lo de novo, ali por 1940/42. Uma história dramática, de perseverança,
como era apanágio de Barreiros, mas simples e clara – ou não?!
Pois esta não
é a história que se pode ler na placa que lá está à porta?! Mistérios de profundidade
conhecedora - é o que é.]
Olhemos a fotografia.
Aparentemente
o edifício estaria pintado de branco.
As janelas
do piso térreo parecem ter ainda as mesmas cantarias. A entrada faz-se agora
sob um pórtico abobadado e ligeiramente projectado para o exterior, sobre o
qual assenta o varandim do Salão Nobre. O pórtico, tal como o arranque dos
cunhais, parecem ser feitos em aparelho de pedras almofadadas – na verdade,
serão em massa fingindo tal aparelho.
No andar
nobre, os vãos parecem ser ainda os mesmos, mas com algumas alterações. Em cada
corpo lateral, a janela do meio foi rasgada em sacada. Todos os vãos deste
andar aparecem agora rematados superiormente por arremedos de frontões, meio neo-joaninos,
e que parecem ligar-se ou prolongar a cantaria das molduras [as partes ardidas,
mostram que também aqui era a fingir].
No segundo
andar, afinal o novo piso, os vãos aparentam ter menos altura [um pouco à
maneira dos palácios de setecentos].
As pilastras
do corpo central e as dos cunhais parecem ser, ao longo dos andares, em massa e
pintadas de escuro.
Logo, logo após o incêndio dos novos
Paços do Concelho, ainda o borralho fumegava, já se discutia nos jornais
sobre a bondade da reconstrução do edifício sinistrado ou, pelo contrário, as
vantagens de construir noutro local.
[Houve mesmo
«Projecto de Urbanização do Local Escolhido para o Novo Edifício dos Paços
do Concelho de Figueiró dos Vinhos», tal como uns estudos para o próprio e dito cujo.
Tudo muito Deus, muita Pátria e ainda mais Autoridade, como
era de função. Para além dos novíssimos Paços do Concelho, o plano previa uma
nova Igreja, tão grande como a Matriz, Escolas e outros equipamentos. Fora a
Escola e a Casa do Povo, tudo não passou do papel, e ainda bem.]
No
entanto, paralela e avisadamente, lá se iam fazendo as reparações no edifício
ardido. No relatório «A gerência municipal de 1940», datado de 2 Nov. desse
ano, Barreiros diz às tantas «reconstruíram-se, em parte, os antigos Paços
do Concelho, onde já funcionam tôdas as repartições públicas» (BARREIROS,
op.cit. p.106). Três anos depois, ao publicar no livro esta fotografia, dirá «é um
símbolo de perseverança, da vontade de vencer e um sinal de vitória –
representa os Paços do Concelho, reconstruídos de novo e tal qual se encontram
em 1943».
Salvo eventuais
alterações interiores [que, agora e para o caso, nada interessam], o que vemos
é o mesmíssimo edifício de 1936. Talvez sejam outras a urnas que, sobre a
cornija, rematam as pilastras e os cunhais. E parece terem desparecido, ao
nível do andar nobre, seja lá o que fosse que unia visualmente as vergas de
cantaria aos frisos arremedando frontões joaninos. Os frisos, em massa percebe-se
agora, por lá ficaram, desasados e meio ridículos…
E é
este edifício [ou melhor, o ampliado em 1936] que chegou aos nossos dias.
Chegados
nós aqui, é tempo de repetir a pergunta: de qual «edifício dos Paços do
Concelho» estaremos a falar?
Porque, como toda a gente perceberá, o edifício não é o
mesmo. Houve um, com dois pisos, que durou perto de 60 anos. E há outro [se bem que
acrescentado sobre o primeiro] que assim existe há longos 84 anos.
Houve um com determinada volumetria. Há um outro cuja
volumetria é, grosso modo, 50% maior.
[Eu sei que a matemática não é bem o forte, mas vejam lá se
os números, os do tempo e os do espaço, lhes entram nas cabeças…]
Tentemos
visualmente.
[Já nem digo para irem experimentar aquele vestidinho larocas que levaram ao primeiro baile do liceu… agora, uns bons aninhos depois e aqueles quilinhos a mais, percebem como ficariam ridículas/os?]
[Já nem digo para irem experimentar aquele vestidinho larocas que levaram ao primeiro baile do liceu… agora, uns bons aninhos depois e aqueles quilinhos a mais, percebem como ficariam ridículas/os?]
Passa-se o mesmo com os edifícios. De melhor ou menos bom
desenho [e, francamente, o outro era bem melhor que o actual], merecem também respeito
e consideração. E ataviam-se de acordo com as suas características e circunstâncias.
Lembram-se de, lá atrás, explicar as razões para a velha Casa
da Câmara ter sido pintada com o tal almagre forte? Por ser modesta em
altura, confrontada pelo enorme volume da desaparecida Torre, pelas
fortes presenças do Solar e da Matriz, e que só o peso de um
forte colorido lhe pode dar a presença e dignidade inerentes ao seu importante lugar
no Largo central da Vila. E de, em comentário, dizer que os nossos
bisavós não eram assim burros de todo… Lembram?
Pois
é. Agora será precisamente ao contrário. O novo grande volume do edifício da
Câmara, pintado a “sangue de boi” (ou coisa que o valha), irá esmagar tudo o
que em volta se implanta. [E nós, bisnetos e trinetos dos velhos sabidos, somos, pelo
visto, meio burros. Percebemos pouco da poda, e gostamos de nos armar em parvos.]
Nem
vou perder tempo com muitas considerações técnicas sobre o comportamento das actuais
tintas, em especial as de forte colorido, quanto às escorrências e às manchas
da água das chuvas, sequer sobre o comportamento dos pigmentos vermelhos sob os
raios ultra-violetas do Sol… Não vale a pena. Logo se verá.
O que está
feito, está feito! E seja o que Deus, nosso Senhor, quiser…
Só Lhe peço
que não haja muitos a virem ali da dos Passarões, rua da Torre acima, já
bem aviados, imbuídos ainda de alguma afición, que marrem com a coisa e
resolvam citar lá do meio da praça: - Ó voi! Ó ba… Eh, bicho lindo! Era dispensável.
E não havia necessidade.
E não havia necessidade.
27 Mai.2020. LBG.
__________________________
[1]. Glosa a dois títulos de Francisco
d’Olanda (1517/8-1584/5):
Da Pintura Antigua.
Lisboa, 1548.
Da Fabrica
que faleçe ha Çidade de Lysboa. Por frãçisco dolãda, Anno de 1571.
[2]. ASSIS RODRIGUES, Francisco de - Diccionario Technico e Historico de Pintura, Esculptura, Architectura e
Gravura. Lisboa, Imprensa Nacional, 1876.