Com oleiros, padeiros, barbeiros, cavaleiros, seareiros, adegueiros... (e alguns sapateiros)
No ano de 1897, Malhoa inaugura as suas
participações nos Salons parisienses
da Société des Artistes Français -
desiderato final dos artistas ao tempo. Tais participações serão contínuas até
1912 - salvo o ano de 1910, em que O Fado
perdeu o combóio [1]
e ficou à espera mais dois anos. Depois, em 1913, sem remédio, desapontado, Malhoa, terá percebido que já não era o seu tempo
e acabou com aquilo…
Nestas quinze participações quais foram,
afinal, as obras que Malhoa criteriosamente escolheu para o representar nos
mais importantes certames da época? Quais, afinal, os quadros aceites pelos
exigentes júris de admissão – ou julgam que era mandar uma coisa qualquer e os
franceses logo a penduravam na parede? Que pinturas foram essas?
A maior parte, sabê-las-emos de cor – Os oleiros (mas quais?), As papas, A volta da romaria, O
barbeiro na aldeia, A procissão, As cócegas, Os bêbados e, claro, O Fado
(o tal) - Ah!... e mais uns Retratos… Pois sim! Mas quais, e será que
os sabemos todos? Não será que andam por aí algumas coisas trocadas, outras miseravelmente
ignoradas ou esquecidas? Fazer a história das vinte e uma obras que Malhoa
mostrou nos Salons, enumerá-las, mostrar-lhes
a cara – na medida do possível – eis tarefa a que agora nos propomos. Essas, e
mais umas que de algum modo as acompanharam, e as que bateram com o nariz na
porta. Afinal, sempre deverão ser algumas das “mais significativas obras do
Mestre” – como gostam de dizer.
Como calcularão, vai demorar algum tempo – «depressa
e bem, não há quem». É coisa para se ir fazendo aos poucos. Como de costume: provocando e «…arranhando sempre». Fica
o convite para irem acompanhando. Pode ser que haja algumas surpresas…
Comecemos pelo princípio.
Para a primeira meia dúzia de participações e
para as primeiras onze obras, temos um auxiliar precioso - o artigo, já aqui
citado, de The Studio, publicado em
1905 – o tal que, digo eu, toda a gente gosta de referir e, parece, ninguém leu…
ou não se escreveria tanta asneira. Aqui fica, mais uma vez, agora o
parágrafo completo que se refere ao presente assunto, na língua de Shakespeare,
e com mais umas notas minhas. Curto e grosso. Tem lá tudinho. Sem muitos rodeios,
à velha maneira britânica [2]. Façam, pois, a fineza.
«(...) Since 1897 Malhôa has annually taken part in
the exhibitions of the Société des Artistes Français. He made an excellent débût there with a woman’s portrait and The Potters [3].
The latter afterwards obtained the gold medal at the Exhibition of 1900 [4].
In 1898 he exhibited Gruel and In the Bakehouse [5].
The former is a group of old beggar women; the latter is in his own special genre – the “genre Malhôa,” as it is called in Portugal. We are shown
peasant-women of Minho [6] in
their motley garb, busy making bread. The
Lecturer and The Priest of Constance
[7] were
exhibited in 1899, and The Portrait of
the Countess of Mossamedes [8] in
1900. The Return from the Fête [9],
honourably mentioned at the Salon of 1901, is remarkable for truth and
character; those who know the strong effects of colouring in the land of
sunshine will recognise that there is no exaggeration of its brilliancy. The Man in the Hood [10],
also of 1901, is one of the most striking of the master’s works; to prevent its
leaving the country it was acquired by a group of artists and amateurs, who
presented it to the nation for the National Museum. The Village Barber and the Portrait
of a Woman [11]
(which had obtained a medal at Madrid) were exhibited in 1902. The former is
another rural scene: the village Figaro, who visits the hamlets on Sunday
morning, is shaving a peasant under the shade of a chestnut-tree, while the
others who are waiting for their turn form a admirably group. The transparent
blue of the sky is as noteworthy as is the rest of this fresh, robust, and
wholesome painting. (...)»
R.S. in The Studio. London, Aug. 15, 1905,
vol.35. nº149. p.246
Logo iremos debruçar-nos
sobre cada um destes certames. Até lá.
22 Dez. 2012. LBG
[1] Veja-se o que escreve Matilde Tomaz
do Couto in Malhoa e Bordalo…, p.21.
(quando chegar a altura, logo aqui voltaremos)
[2] Claro
que a “escola francesa” é sempre mais apelativa, brilhante mesmo! Mas, às
vezes, o eloquente brilhantismo formal oculta alguma ligeireza de conteúdo, a
erudição estonteante das ideias possibilita que alguns aspectos pouco
criteriosos ou apenas plausíveis se transformem em factos verdadeiros, trocas e
baldrocas diluem-se em magnífica prosa que gulosamente sorvemos. O problema só
surge quando nos servem francesinhas já com pouco molho – aí, torna-se mais difícil
engolir o escalope...
[3] Trata-se de Portrait de M.me L… / Retrato de M.me L (Dona Teresa Leal),1896, e Les potiers / Os oleiros, c.1897 (na
versão maior, já desaparecida).
[4] Refere-se à Exposição Universal de Paris,
1900, onde Os Oleiros (os mesmos e não
outros) voltaram para a sua derradeira exibição, naufragando na viagem de
regresso.
[5] Trata-se de La bouillie / As papas, 1898 (a versão grande, como é evidente), e de Au four; costumes du Minho (Portugal) / No forno, 1897.
[6] … a crer na precisão geográfica do título.
Embora, muito possivelmente, tenha sido tomado ali nas Bairradas, ao termo de
Figueiró…
[7] Trata-se de Le cathédratique / O Catedrático e de Portrait de M. le curé de Coustanaix, Joô Alvès de Meira [sic –
assim mesmo e não de outro modo qualquer – que até a transcrever há tendência em aldrabar…] / Retrato do Prior de
Constância. Ambos, igualmente e nas mesmas circunstâncias, desaparecidos
posteriormente no naufrágio do vapor Saint-André.
Tal como À passagem do combóio (na sua versão
inicial), A corar a roupa (idem) e Os oleiros (o referido na nota 4).
Perderam-se assim cinco das seis telas que JM enviou à Exposição Universal de
Paris 1900.
[8] Trata-se do «retrato Cond.ª Mossamedes» (assim
anotado por Malhoa no seu exemplar do catálogo do Salon de 1900) / Retrato da
Ex.mª Sr.ª Condessa de Mossamedes, 1899.
Registe-se
mais esta fonte que contraria um engano de 1983, transformado em asneira
sucessivamente repetida, e que coloca no Salon
de 1900, não se percebe bem porquê e de novo, As papas, como se servidas em dose requentada.
Nunca
ninguém se interrogou como raio poderia um quadro ter uma representação em reprise no Salon parisiense? A resposta está e sempre aqui esteve, à vista
de toda a gente… E confirma-a a referida anotação pessoal de Malhoa.
[9] Trata-se de Le
retour de la fête / A volta da romaria, 1901. E que valeu a JM a Menção Honrosa no Salon.
[10] Trata-se de L’homme
au capuchon / O homem do gorro / Retrato do fotógrafo António Novais, 1901.
Note-se a
referência à movimentação de artistas e amadores para a sua oferta ao Museu
Nacional – tal, mais uma vez e para quem queira ver, confirma que se trata de
um só e do mesmo quadro… O catálogo de 1928 e as fotos da respectiva exposição
dão-nos a prova dos nove. A real, é-nos dada pelo próprio Malhoa, em
anotação pessoal já aqui citada…
[11] Trata-se de Le barbier du village / O barbeiro na aldeia, 1902, e de Portrait de Mme C… / Retrato da Ex.mª Sr.ª P. da C. (Dona Teresa Pereira da
Costa), 1900 (?).
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