sábado, 22 de dezembro de 2012

Malhoa e os "Salons" de Paris (I)

De 1897 a (quase) 1913.
Com oleiros, padeiros, barbeiros, cavaleiros, seareiros, adegueiros... (e alguns sapateiros)



No ano de 1897, Malhoa inaugura as suas participações nos Salons parisienses da Société des Artistes Français - desiderato final dos artistas ao tempo. Tais participações serão contínuas até 1912 - salvo o ano de 1910, em que O Fado perdeu o combóio [1] e ficou à espera mais dois anos. Depois, em 1913, sem remédio, desapontado, Malhoa, terá percebido que já não era o seu tempo e acabou com aquilo…

Nestas quinze participações quais foram, afinal, as obras que Malhoa criteriosamente escolheu para o representar nos mais importantes certames da época? Quais, afinal, os quadros aceites pelos exigentes júris de admissão – ou julgam que era mandar uma coisa qualquer e os franceses logo a penduravam na parede? Que pinturas foram essas?
A maior parte, sabê-las-emos de cor – Os oleiros (mas quais?), As papas, A volta da romaria, O barbeiro na aldeia, A procissão, As cócegas, Os bêbados e, claro, O Fado (o tal) - Ah!... e mais uns RetratosPois sim! Mas quais, e será que os sabemos todos? Não será que andam por aí algumas coisas trocadas, outras miseravelmente ignoradas ou esquecidas? Fazer a história das vinte e uma obras que Malhoa mostrou nos Salons, enumerá-las, mostrar-lhes a cara – na medida do possível – eis tarefa a que agora nos propomos. Essas, e mais umas que de algum modo as acompanharam, e as que bateram com o nariz na porta. Afinal, sempre deverão ser algumas das “mais significativas obras do Mestre” – como gostam de dizer.
Como calcularão, vai demorar algum tempo – «depressa e bem, não há quem». É coisa para se ir fazendo aos poucos. Como de costume: provocando e «…arranhando sempre». Fica o convite para irem acompanhando. Pode ser que haja algumas surpresas…


Comecemos pelo princípio.
Para a primeira meia dúzia de participações e para as primeiras onze obras, temos um auxiliar precioso - o artigo, já aqui citado, de The Studio, publicado em 1905 – o tal que, digo eu, toda a gente gosta de referir e, parece, ninguém leu… ou não se escreveria tanta asneira. Aqui fica, mais uma vez, agora o parágrafo completo que se refere ao presente assunto, na língua de Shakespeare, e com mais umas notas minhas. Curto e grosso. Tem lá tudinho. Sem muitos rodeios, à velha maneira britânica [2]. Façam, pois, a fineza.


«(...)   Since 1897 Malhôa has annually taken part in the exhibitions of the Société des Artistes Français. He made an excellent débût there with a woman’s portrait and The Potters [3]. The latter afterwards obtained the gold medal at the Exhibition of 1900 [4]. In 1898 he exhibited Gruel and In the Bakehouse [5]. The former is a group of old beggar women; the latter is in his own special genre – the “genre Malhôa,” as it is called in Portugal. We are shown peasant-women of Minho [6] in their motley garb, busy making bread. The Lecturer and The Priest of Constance [7] were exhibited in 1899, and The Portrait of the Countess of Mossamedes [8] in 1900. The Return from the Fête [9], honourably mentioned at the Salon of 1901, is remarkable for truth and character; those who know the strong effects of colouring in the land of sunshine will recognise that there is no exaggeration of its brilliancy. The Man in the Hood [10], also of 1901, is one of the most striking of the master’s works; to prevent its leaving the country it was acquired by a group of artists and amateurs, who presented it to the nation for the National Museum. The Village Barber and the Portrait of a Woman [11] (which had obtained a medal at Madrid) were exhibited in 1902. The former is another rural scene: the village Figaro, who visits the hamlets on Sunday morning, is shaving a peasant under the shade of a chestnut-tree, while the others who are waiting for their turn form a admirably group. The transparent blue of the sky is as noteworthy as is the rest of this fresh, robust, and wholesome painting. (...)»   
                                                                                    
R.S. in The Studio. London, Aug. 15, 1905, vol.35. nº149. p.246


         Logo iremos debruçar-nos sobre cada um destes certames. Até lá.


22 Dez. 2012. LBG



[1] Veja-se o que escreve Matilde Tomaz do Couto in Malhoa e Bordalo…, p.21. (quando chegar a altura, logo aqui voltaremos)

[2] Claro que a “escola francesa” é sempre mais apelativa, brilhante mesmo! Mas, às vezes, o eloquente brilhantismo formal oculta alguma ligeireza de conteúdo, a erudição estonteante das ideias possibilita que alguns aspectos pouco criteriosos ou apenas plausíveis se transformem em factos verdadeiros, trocas e baldrocas diluem-se em magnífica prosa que gulosamente sorvemos. O problema só surge quando nos servem francesinhas já com pouco molho – aí, torna-se mais difícil engolir o escalope...

[3] Trata-se de Portrait de M.me L… / Retrato de M.me L (Dona Teresa Leal),1896, e Les potiers / Os oleiros, c.1897 (na versão maior, já desaparecida).

[4]  Refere-se à Exposição Universal de Paris, 1900, onde Os Oleiros (os mesmos e não outros) voltaram para a sua derradeira exibição, naufragando na viagem de regresso.

[5] Trata-se de La bouillie / As papas, 1898 (a versão grande, como é evidente), e de Au four; costumes du Minho (Portugal) / No forno, 1897.

[6]  … a crer na precisão geográfica do título. Embora, muito possivelmente, tenha sido tomado ali nas Bairradas, ao termo de Figueiró…

[7] Trata-se de Le cathédratique / O Catedrático e de Portrait de M. le curé de Coustanaix, Joô Alvès de Meira [sic – assim mesmo e não de outro modo qualquer – que até a transcrever há tendência em aldrabar…] / Retrato do Prior de Constância. Ambos, igualmente e nas mesmas circunstâncias, desaparecidos posteriormente no naufrágio do vapor Saint-André.
Tal como À passagem do combóio (na sua versão inicial), A corar a roupa (idem) e Os oleiros (o referido na nota 4). Perderam-se assim cinco das seis telas que JM enviou à Exposição Universal de Paris 1900.

[8] Trata-se do «retrato Cond.ª Mossamedes» (assim anotado por Malhoa no seu exemplar do catálogo do Salon de 1900) / Retrato da Ex.mª Sr.ª Condessa de Mossamedes, 1899.
Registe-se mais esta fonte que contraria um engano de 1983, transformado em asneira sucessivamente repetida, e que coloca no Salon de 1900, não se percebe bem porquê e de novo, As papas, como se servidas em dose requentada.
Nunca ninguém se interrogou como raio poderia um quadro ter uma representação em reprise no Salon parisiense? A resposta está e sempre aqui esteve, à vista de toda a gente… E confirma-a a referida anotação pessoal de Malhoa.

[9]  Trata-se de Le retour de la fête / A volta da romaria, 1901. E que valeu a JM a Menção Honrosa no Salon.

[10]  Trata-se de L’homme au capuchon / O homem do gorro / Retrato do fotógrafo António Novais, 1901.
Note-se a referência à movimentação de artistas e amadores para a sua oferta ao Museu Nacional – tal, mais uma vez e para quem queira ver, confirma que se trata de um só e do mesmo quadro… O catálogo de 1928 e as fotos da respectiva exposição dão-nos a prova dos nove. A real, é-nos dada pelo próprio Malhoa, em anotação pessoal já aqui citada…

[11] Trata-se de Le barbier du village / O barbeiro na aldeia, 1902, e de Portrait de Mme C… / Retrato da Ex.mª Sr.ª P. da C. (Dona Teresa Pereira da Costa), 1900 (?).

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