Em 10
de Abril de 1892, José Malhoa faz mais uma das suas habituais viagens até
Figueiró dos Vinhos. Desta, como de mais algumas outras, deixou-nos o registo
do itinerário. Em dois cartões de viagem, 205x125mm, quase em banda desenhada.
Estes foram resgatados há muito pouco tempo. Seremos os primeiros a vê-los, ao
fim de muitos anos.
Sigamos pois a estória. Que tem
título e tudo:
«Viagem a Figueiró dos Vinhos (de Lisbôa a Payalvo) 10 Abril 92»
Apanhado o combóio a vapor na novíssima Estação do Rocio,
inaugurada havia menos de um ano, talvez, ou então na mais antiga de Santa
Apolónia, a viagem começou.
Para trás Malhoa deixava os quatorze quadros expostos no
segundo salão do Grémio, entre os quais os 16,5 m2 de O último interrogatório do marquês de Pombal, o tal, sobre o qual
já Fialho havia escrito [1] «atirou-lhe pr’a cima uma
prodigiosa quantidade de tintas, de côres varias...» e desancado até ao fim,
não por falta de arte «…ha nesse quadro uma riqueza de seiva que faz honra a
Malhôa, e nos demonstra estar elle completamente senhor do métier», mas por grande incómodo e incompreensão da cena. Uma visão
jacobina da crítica contra a alegada «beatice» de um Malhoa «jesuíta», então a
levar por tabela, convém lembrar.
E ainda faltava o João Sincero, que havia de
verborrear pela mesma medida, dali a dez dias, no Occidente…
Malhoa já sabia, ou já adivinhava – com todas
aquelas tretas, vão mas é dar a medalha à Barca do Porto… se ainda fosse ao
estudo, mas àquele cartaz litográfico?!… e tanto trabalhinho me deu, o raio do
Marquez… - devia estar a pensar. Malhoa estava chateado, claro que estava
chateado.
Ir para Figueiró pintar, seria um bálsamo. E estava no início a
Primavera…
Para passar o tempo, na longa jornada até Tomar – a primeira
etapa da viagem -, nada melhor que puxar do lápis e do carnet.
Logo à saída de Lisboa, na junção da linha de cintura com
a de Stº Apolónia, o Poço do Bispo tem direito ao primeiro apontamento – um regador
de lata. Nos Olivais é um tronco de árvore retorcido, alguma oliveira talvez, o
que mereceu atenção. Segue-se Sacavém, onde o lápis rabisca uns zingarelhos ferroviários
à beira da linha. Dois tipos de barrete e longas suíças são apanhados na
estação da Póvoa. Em Alverca o registo é impreciso. E na Alhandra, novo
personagem de barrete é rapidamente apontado.
Para aumentar, pressionar sobre a imagem.
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Malhoa deve ter acalmado ou passado pelas brasas. Só em
Santana («Stª Anna» na grafia da época), perto do Cartaxo e Vila Chã d’Ourique,
é que o lápis risca de novo. Mercadorias junto ao cais, um edifício e o que
parecem ser mastros de umas fragatas… Ali? longe do Tejo, já em plena lezíria? –
interrogamo-nos hoje - talvez que, há cento e vinte anos, por ali ainda
houvesse alguma vala navegável... Isso, ou troca na legenda. Adiante. Dali a
Santarém é um pulinho. Um vagão carregado de palha começa a ser esboçado… mas o
“nosso” apitou e lá abalou. Segue-se Vale de Figueira – com mais um barrete,
este bem ribatejano – e Mato Miranda, já perto do Paúl do Boquílobo, onde um barco ribeirinho adorna em terra, junto a uma cancela.
Ainda falta um bom bocado para Paialvo. Mas, agora, são
longas as rectas até Riachos, Entroncamento e Lamarosa. E, ou o novo cartão se
perdeu, ou já ficou desenhado tudo o que era para desenhar.
Chegado a Paialvo, algum «carro do Campião» o terá levado
até Tomar. Então os solavancos do trote das cavalgaduras pela estrada
esburacada é que rabiscos no papel impediram.
Por certo em Tomar haveria de ficar essa noite. Em casa
do Pinto, ora bem. No dia seguinte, ou noutro qualquer, logo teria diligência
que o levasse, serra acima, até Figueiró… Abraços ao «Manel», cumprimentos à mulher, beijinhos aos
pequenos. Muita conversa e todas as novidades.
Ainda nesse mesmo dia, talvez enquanto esperava que M.H.Pinto
desse umas quantas lições, mais um desenhito junto à Ponte Velha - «Margens do
Nabão, Thomar. 10 Abil 92». Os salgueiros, os choupos, os chorões deviam estar lindos, todos a rebentar... E mais um lampião, uma chaminé e outra coisa
qualquer…
Figueiró podia esperar.
[1] Disto falaremos para a próxima… com as
batatas de Sua Majestade.
Comprei em Bordeaux um quadro de Malhoa? Será dos que perderam depois da Exposicao de 1900? 966 710 605,
ResponderEliminarBem que tentei não publicar os algarismos finais... Mas V. ("Anónimo") e "sr. google" não me deixam alternativa...
EliminarRespondendo:
Muito provavelmente, não! Os quadros que se perderam depois da Exposição de 1900 naufragaram (salvo erro, ao largo de Sagres) e "jazerão" no fundo do mar...
Quanto ao que terá comprado em Bordéus poderá ser muita outra coisa... Se entender, envie uma fotografia (e o seu e-mail - ambos não serão publicados) e verei se o posso ajudar... Cumprimentos.
L