sábado, 1 de dezembro de 2012

Uma viagem por Tomar

Dois postais e uma estória…



             Em 10 de Abril de 1892, José Malhoa faz mais uma das suas habituais viagens até Figueiró dos Vinhos. Desta, como de mais algumas outras, deixou-nos o registo do itinerário. Em dois cartões de viagem, 205x125mm, quase em banda desenhada. Estes foram resgatados há muito pouco tempo. Seremos os primeiros a vê-los, ao fim de muitos anos.
 
            Sigamos pois a estória. Que tem título e tudo:

«Viagem a Figueiró dos Vinhos (de Lisbôa a Payalvo) 10 Abril 92»

Apanhado o combóio a vapor na novíssima Estação do Rocio, inaugurada havia menos de um ano, talvez, ou então na mais antiga de Santa Apolónia, a viagem começou.

Para trás Malhoa deixava os quatorze quadros expostos no segundo salão do Grémio, entre os quais os 16,5 m2 de O último interrogatório do marquês de Pombal, o tal, sobre o qual já Fialho havia escrito [1] «atirou-lhe pr’a cima uma prodigiosa quantidade de tintas, de côres varias...» e desancado até ao fim, não por falta de arte «…ha nesse quadro uma riqueza de seiva que faz honra a Malhôa, e nos demonstra estar elle completamente senhor do métier», mas por grande incómodo e incompreensão da cena. Uma visão jacobina da crítica contra a alegada «beatice» de um Malhoa «jesuíta», então a levar por tabela, convém lembrar.
E ainda faltava o João Sincero, que havia de verborrear pela mesma medida, dali a dez dias, no Occidente
Malhoa já sabia, ou já adivinhava – com todas aquelas tretas, vão mas é dar a medalha à Barca do Porto… se ainda fosse ao estudo, mas àquele cartaz litográfico?!… e tanto trabalhinho me deu, o raio do Marquez… - devia estar a pensar. Malhoa estava chateado, claro que estava chateado.
Ir para Figueiró pintar, seria um bálsamo. E estava no início a Primavera…

Para passar o tempo, na longa jornada até Tomar – a primeira etapa da viagem -, nada melhor que puxar do lápis e do carnet.

Logo à saída de Lisboa, na junção da linha de cintura com a de Stº Apolónia, o Poço do Bispo tem direito ao primeiro apontamento – um regador de lata. Nos Olivais é um tronco de árvore retorcido, alguma oliveira talvez, o que mereceu atenção. Segue-se Sacavém, onde o lápis rabisca uns zingarelhos ferroviários à beira da linha. Dois tipos de barrete e longas suíças são apanhados na estação da Póvoa. Em Alverca o registo é impreciso. E na Alhandra, novo personagem de barrete é rapidamente apontado.
 
Para aumentar, pressionar sobre a imagem.

Malhoa deve ter acalmado ou passado pelas brasas. Só em Santana («Stª Anna» na grafia da época), perto do Cartaxo e Vila Chã d’Ourique, é que o lápis risca de novo. Mercadorias junto ao cais, um edifício e o que parecem ser mastros de umas fragatas… Ali? longe do Tejo, já em plena lezíria? – interrogamo-nos hoje - talvez que, há cento e vinte anos, por ali ainda houvesse alguma vala navegável... Isso, ou troca na legenda. Adiante. Dali a Santarém é um pulinho. Um vagão carregado de palha começa a ser esboçado… mas o “nosso” apitou e lá abalou. Segue-se Vale de Figueira – com mais um barrete, este bem ribatejano – e Mato Miranda, já perto do Paúl do Boquílobo, onde um barco ribeirinho adorna em terra, junto a uma cancela.

Ainda falta um bom bocado para Paialvo. Mas, agora, são longas as rectas até Riachos, Entroncamento e Lamarosa. E, ou o novo cartão se perdeu, ou já ficou desenhado tudo o que era para desenhar.

Chegado a Paialvo, algum «carro do Campião» o terá levado até Tomar. Então os solavancos do trote das cavalgaduras pela estrada esburacada é que rabiscos no papel impediram.

Por certo em Tomar haveria de ficar essa noite. Em casa do Pinto, ora bem. No dia seguinte, ou noutro qualquer, logo teria diligência que o levasse, serra acima, até Figueiró… Abraços ao «Manel», cumprimentos à mulher, beijinhos aos pequenos. Muita conversa e todas as novidades.
 

           Ainda nesse mesmo dia, talvez enquanto esperava que M.H.Pinto desse umas quantas lições, mais um desenhito junto à Ponte Velha - «Margens do Nabão, Thomar. 10 Abil 92». Os salgueiros, os choupos, os chorões deviam estar lindos, todos a rebentar... E mais um lampião, uma chaminé e outra coisa qualquer…

Figueiró podia esperar.

 
1 Dez. 2012. LBG



[1] Disto falaremos para a próxima… com as batatas de Sua Majestade.

2 comentários:

  1. Comprei em Bordeaux um quadro de Malhoa? Será dos que perderam depois da Exposicao de 1900? 966 710 605,

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    1. Bem que tentei não publicar os algarismos finais... Mas V. ("Anónimo") e "sr. google" não me deixam alternativa...
      Respondendo:
      Muito provavelmente, não! Os quadros que se perderam depois da Exposição de 1900 naufragaram (salvo erro, ao largo de Sagres) e "jazerão" no fundo do mar...
      Quanto ao que terá comprado em Bordéus poderá ser muita outra coisa... Se entender, envie uma fotografia (e o seu e-mail - ambos não serão publicados) e verei se o posso ajudar... Cumprimentos.
      L

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