Como
anteriormente vimos, no ano de 1897, Malhoa inicia a sua odisseia, não a «rústica»,
mas a cosmopolita e parisiense, entrando resolutamente no maior dos certames
internacionais – o Salon.
Nesse ano, ainda desconhecido dos franceses,
verá o seu nome mal grafado e, no catálogo, é com dificuldade que o iremos encontrar,
entre uns Mathieu e um Matisse, pois como «Mathoa» passou então à história.
Confirmam-se no entanto as obras que
levou a Paris e os respectivos números de catálogo:
1149
– Les potiers / Os oleiros, c.1897
1150
– Portrait de M.me L… / Retrato de madame L (Dona Tereza Leal),
datado de 1896
Foi este o quadro:
JMalhoa. Les potiers / Os oleiros, c.1897. ost, 130x165, desaparecido. |
E este o retrato:
JMalhoa. Portrait de M.me L… / Retrato de madame L (D. Tereza Leal), 1896 ost, 56x46, MNAC, em depósito no MJM. |
Com toda a deferência, comecemos pela Senhora Dona Tereza. Trata-se de uma tela
quase ignorada, pelo menos quanto a haver sido o primeiro Retrato que Malhoa
considerou para o representar no Salon.
Ele próprio, pelo seu punho, deixa-nos, dois anos depois, estas notas, onde
claramente identifica a obra e regista todo o apreço que lhe devotava:
«Pintei
n’este ano em Figueiró, o quadro “a córar a roupa” que vai figurar na exposição
de Paris, e “Uma desgraça” (a morte do porco). | Pintei igualmente nos mezes de
Novº e Dezembro o retrato da Condessa de Mossamedes, que muito tem agradado, e
que eu conscienciosamente julgo sêr o unico que pode igualar em merecimento o
retrato de Madª Leal, que expus com tanto exito no “Salon” de 1897 junto com
“Os Oleiros” e que tanto enthusiasmou foi celebrado pela imprensa Parisiense.
Isto devido única e exclusivamente a modello têr a devida compreensão e pouzar-me
bem. | José Malhôa | 31 Dezembro 1899.» [1]
Nos dias de hoje, podemos
admirar todas as qualidades esquecidas do Retrato
de D. Teresa Leal [2],
1896, no Museu de José Malhoa, nas Caldas da Raínha.
E sintomático é que a única
foto a cores conhecida da desgraçada da Dona Tereza, seja esta bela coisa [3]... disponível na matriznet.
No entretanto, estoutra imagem repescada de um velho número da revista Flama de 1973, apesar de parcial e com defeitos de impressão, dar-nos-á uma ideia da qualidade da pintura... Fica como acrescento.
Passemos agora a'Os Oleiros. Aqueles e não outros. E
apesar das confusões.
Damos a palavra ao velho
Bartholomeu Sesinando. Vejamos o que ele escreveu a propósito da 7ª Exposição
do Grémio Artistico desse ano de 1897 [4]:
«(...)
O nosso pequeno Salon, mais composto
de morceaux d’atelier que de grandes
quadros, sempre vae servindo para excitar a bôa emulação dos confrades
pintores, mas é, entre nós, bem limitado o numero d’aquelles a quem, mesmo
replecto d’obras primas, elle seria recreação agradável. (…)
(…) Este anno o nosso pequeno certamen artistico,
celebrando-se mais tarde, coincide com o grande certamen de Paris, e ao mesmo
tempo que nos é permitido exultar os esforços coroados dos mais modestos dos
nossos artistas, poderemos tambem apllaudir aquelles que, lançando vôos largos,
vão ao concurso internacional da grande cidade buscar a consagração do seu
talento.
Tem plena confiança em si, e não se
arreceiam da vizinhança dos grande nomes que attrahem todas as attenções, os
que, apenas conhecidos n’um limitado centro, lá esperam obter um pouco de succès. (…)
(…) Malhôa, entrando resolutamente no Salon este anno, não receiou vizinhança
que o prejudicasse e os seus Potiers
chamaram a attenção sobre o seu nome, triumpho tanto mais lisongeiro e honroso
para nós quanto elle é um verdadeiro e genuino pintor portuguez. Não cursou as
escolas, nem frequentou os ateliers
extrangeiros, foi sempre o nosso bello sol que dourou a sua paleta, os nossos
typos que elle estudou, e ao seu esforço perseverante, á sua vontade energica deve
o que tem conseguido.
Offerece-nos a exposição do Gremio Artistico, n’uma téla pequena – Os oleiros – a reducção do quadro que
enviou ao Salon dos Campos Elysios,
em que, até hoje nunca reclamara entrada, e onde o acolhimento feito pela
critica a este extrangeiro que se apresenta sem mais recommendação que o seu
proprio valor, é bastante agradavel para o artista e para o nosso orgulho
nacional.
Rocheblanc, na Independence Belge de 24 d’abril cita o quadro de Malhôa com as
seguintes lisongeiras palavras:
Non moins verveux, mais beaucoup plus fondu de pâte et
harmonieux d’accent, est le morceau des – Potiers – de Mr.
Malhôa, de Lisbonne. L’autorité, la puissance, respirent en cette page, qui
semble écrite dans un coup d’improvisation, tant elle est décidée, et qui n’en
a pas moins toute la saveur e la force douce d’un Velasquez.
A
conhecida revista franceza L’Illustration,
que annualmente publica um numero
especial, consagrado ao Salon, em que reproduz pela gravura alguns quadros,
escolhidos entre os mais interessantes dos milhares que n’elle se expõem,
colloca n’essa escolha o quadro de Malhôa, que Alfredo de Lostalot fazendo a
critica geral da exposição apresenta como um savoureux morceau de peinture. (…)»
Um rico texto. E que nos
conta a história toda: que nesse ano o Salão alfacinha coincidiu práticamente
com o Salon parisiense; que em
Lisboa se pode ver a «reducção» de Os oleiros, enquanto ao mesmo tempo, nas
margens do Sena, a sua outra versão - a grande e definitiva - era muito bem
acolhida; e até nos dá, de bandeja, aqueles pedacinhos bem significativos das principais
críticas internacionais. Um verdadeiro 3 em 1, melhor que certos shampooings [5].
JMalhoa. Os oleiros, 1896. ost, 59x78, COSEC - comp. seguros. |
JMalhoa. Les potiers / Os oleiros, c.1897. ost, 130x165, desaparecido. |
Vejamos agora o que nos diz Malhoa,
ele mesmo, sobre as suas duas versões de Os
oleiros.
Em 5 de Maio desse ano de 1897, Malhoa regista, junto às
de mais dois quadros da 7ª Exposição do GA, a «Venda
do quadro “Os oleiros” ao Conde de Proença a Velha - 300$000» [6], pelo preço constante no
catálogo. Como é evidente, refere-se à versão pequena, ao quadro que chegou até
nós, o conhecido, o com 59x78, o datado de 1896, o «da COSEC», a «reduccção», o
“estudo”, ou como lhe queiram chamar, o que esteve unicamente presente na 7ª do
Grémio e pronto!
Que o outro, o que foi a Paris ao Salon de 1897, o grande, com 130x165, o que irá estar presente na
8ª Exposição do Grémio [7] no ano seguinte, o que
voltará ainda a Paris para a Exposição Universal de 1900 – onde receberá uma
Medalha de Oiro – e que naufragou na viagem de regresso, o que aqui nos
interessa, é outra coisa. Sobre esse, só mais tarde, no verão de 1898, já
depois da 8ª do Grémio, Malhoa registará a «Venda dos
“Oleiros” e “Padeiras” ao Bravo – 500$000» [8] (fez desconto, que no
catálogo desse ano estavam por 500$000 e 250$000, respectivamente). E, ainda
mais tarde, em 8 de Abril de 1901, quando recebe o valor do seguro pelo
naufrágio do Saint-André, confirma-o «…”Os Oleiros”
pertencentes ao Bravo, valor um conto de reis…»
Há inúmeras referências, artigos e textos que, por engano
ou desconhecimento, contrariam estes factos – em 1983, em 2003 e por aí fora… e
outras, mais recentes, que tentam emendar a mão e ainda se atrapalham [9].
Mas os factos são os factos
e não há mais nada a dizer.
Resumindo, Os oleiros, 1896, a versão que chegou
até nós, 59x78, esteve unicamente presente na 7ª Exposição do Grémio, 1897.
Les potiers / Os oleiros, de data desconhecida e, segundo o
catálogo do Grémio, com 130x165, teve participações no Salon de 1897, na 8ª Exposição do Grémio, 1898, e na Exposição
Universal de 1900 - Medalha de Oiro. Perdeu-se com o Saint-André e dele resta sómente a imagem
fotográfica.
Tão simples quanto
isto!
JMalhoa. Apontamento para Os oleiros,1894. folha de álbum, lsp, 15x23, MJM. |
E,
já agora, mais duas opiniões da imprensa estrangeira, publicadas na altura, e que Malhoa citará, orgulhosamente, bastante mais tarde em correspondência privada [10].
«Ainda
sobre os “Oleiros” | Revue Française | On cherche la signature de M. Lhermitte [11],
et on trouve celle de M. Malhôa, un Portugais, en bas d’une scène prise dans une
poterie.»
«Sobre
o retrato de Madame L… |
deux très puissantes œuvres de M. Malhôa, que je ne connais pas, mais d’ont la
figure de femme âgée m’a paru la tête d’étude la plus valente du "Salon", et
les "Potiers", une composition vigoureuse.»
Evidentemente, Malhoa começava bem a odisseia parisiense!
Entretanto «a cabeça de estudo mais valorosa do "Salon"», no entender do crítico francês, e tão considerada pelo próprio autor, anda por aí mais ou menos ignorada...
Entretanto «a cabeça de estudo mais valorosa do "Salon"», no entender do crítico francês, e tão considerada pelo próprio autor, anda por aí mais ou menos ignorada...
25 Dez. 2012 (revisto em 12 Mar. 2013, ainda em 19 Out. 2024).
LBG
[1] Em
nota de final de ano, em Dez. 1899, no seu livro de assentos «Receita | Despeza». Os sublinhados são
do próprio JMalhoa.
Repare-se,
apesar de alguma confusão de linguagem no final, como o Autor se refere ao
«retrato de Madª Leal» - este, claramente! E, ainda, as considerações que faz
sobre o «retrato da Condessa de Mossamedes», o tal que, meses depois desta
nota, irá enviar ao Salon da SAF de
1900. E que, com o futuro retrato da outra Dona Tereza (a Pereira da Costa),
completa o notável terceto de Retratos de velhas Senhoras, distintas e graves,
mostrados em Paris…
[2] E, convenhamos, interessará bem mais (re)conhecer
tais qualidades e esta interessante tela como a presente em Paris em 1897, que
discutir se o nome do meio da dita Senhora era Teixeira, Sousa ou o que fosse…
[3] Sobre a qual não há que culpar a
fotografa, que não é para isso que lhe pagam…
[4] Ribeiro Arthur, B. Sesinando - in Arte e Artistas Contemporaneos, 2ª serie.
Livraria Ferin, Lisboa, 1898, p.244 a 249 – A
setima exposição do Gremio Artistico.
[5] Claro que, assim, ficamos impedidos
de brilhar. Não podemos citar Rocheblanc ou A. de Lostalot como se os
tivéssemos ido ler ao original. Que o bom do Sesinando já fez o trabalhinho
todo pela gente, vai para cento e quinze anos. Mas, antes assim e com a história bem
contada, que fingir sabedoria e aviar trapalhação…
[6] Nota na coluna da Receita, no livro manuscrito «Receita | Despeza».
[7] Há, contudo, uma nota, publicada logo
nesse ano, que, mal lida, pode levar ao engano: «José Malhôa tem na exposição
um bom numero de quadros em que se contam alguns retratos felizes e os Oleiros que, apesar de já ser conhecido
da ultima exposição, figura com vantagem entre os outros quadros que expõe este
anno.» in Occidente, nº702, 30 Jun
1898, p.146.
O anónimo articulista de o Occidente
deveria querer dizer que o tema se repetia - isso, ou nem olhou para o quadro,
que agora era quatro vezes maior…
[8] Nota na coluna da Receita, no livro manuscrito «Receita | Despeza».
[9]
[10] Ver carta a Augusto Gama, datada de 13
Dez.1911, existente no espólio do Museu de José Malhoa.
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