Datada de Figueiró, de 26 de Setembro de
1897, endereçada ao «Manel amigo» [1] e assinada pelo «Zezé»,
podemos ler: «Tenho
continuado com as “velhas”, mas a melhor a do primeiro plano tem estado muito
mal, a ponto de eu julgar que ela se finava na última sessão! Resultado, tenho
feito e desmanchado, isto no meio de contrariedades que tu podes imaginar!
Agora cá a tenho de casa, cama e pucarinho, com o médico, para ver se salvo o
trabalho».
Sabemos que, contrariedades, exageros e
cuidados à parte, o trabalho foi salvo, e no ano seguinte Malhoa
apresentá-lo-á, em duas versões como começava a ser habitual: no Salon de Paris e no Grémio Artístico – La bouillie, 1898, e, em versão reduzida,
As papas, c.1897.
O quadro maior, o conhecido,
85x120, datado de 1898, é o que participa no Salon de 1898 e, no ano seguinte,
na 9ª Exposição do Grémio,1899, já com a indicação «pertence ao Ex.mo Sr. Dr.
F.». O quadro mais pequeno, talvez um pouco anterior, cujas características se
desconhecem e nunca vimos [2], foi apenas apresentado na
8ª Exposição do Grémio, 1898 [3]. Ficamos também a saber
que, ao contrário de estória costumeira, as velhas eram figueiroenses de gema e
não a criada-do-não-sei-quantos - a história fica contada pela pena do próprio
Malhoa. Tudo o resto, ou são patranhas antigas [4] ou trapalhação da
modernidade [5].
Por tudo isto, o quadro mostrado no Salon de 1898 - La bouillie / As papas,
1898 - é, sem muita dúvida, este – o do «Ex.mo Sr. Dr. F» [6]:
JMalhoa. La bouillie / As papas, 1898. ost, 85x120, c.p. |
Em Março de 1898, Malhoa assentou no seu
livrinho: «Despeza
com a remessa dos meus dois quadros “La bouillie” e “Au four” pª serem expostos
no “Salon” d’este anno, e dos quais tive a noticia de serem recebidos a 1 de
Abril – 60$000».
Deste modo, lá terão ido. E, segundo o
catálogo do Salon de 1898, receberam
os seguintes títulos e respectivos números de catálogo:
1371 – La bouillie
1372 – Au four; costumes du Minho (Portugal)
Este outro quadro, Au four; costumes du Minho (Portugal) / No forno, 1897 ou 1898 [7], é o que o artigo de The
Studio nos diz «feito no seu especial género
– o “género Malhoa”, como se diz em
Portugal» - este mesmo:
JMalhoa. Au four; costumes du Minho (Portugal) / No forno, c.1897. ost, 45x54. |
«No Forno é uma nota diferente,
irradiante, hillare, da adolescencia talvez d’essas mesmas mulheritas que estão
já decrepitas nas Papas, e que neste quadrito primaveram ainda, como rosas
silvestres, na veneziana alegria do amarello e do escarlate. É uma das coisas
lindas que Malhôa tem na sua obra: tres raparigas do norte, occupadas no labor
de coser brôa, sob o alpendre da casa onde os pintos vagueiam, e verduras de
parreiral cortam o ceu…»
[8].
É muito provavelmente o primeiro de uma longa série de
quadros de forte colorido, com as alegres raparigas “minhotas” de Figueiró,
atarefadas nos seus trabalhos do dia-a-dia, e inspirados de algum modo no -
queiramos ou não - grande romance naturalista de Júlio Dinis [9].
As referências à participação de Malhoa no Salon de 1898 na imprensa internacional continuam a ser elogiosas: «…une jolie scène, la Bouille de M. Malhoa»[10];
«dans “la bouillie” nous montre une vieille édentée fort
bien observée»[11];
«Il y en a, et même de brutale, en la Bouille, de M.
Malhoa; mais comme la scène a dû être prise sur le vif!»[12].
No ano seguinte, como passa a ser
regra, ambas as obras terão então ocasião de serem mostradas ao público
nacional. Estarão presentes na 9ª Exposição do Grémio Artístico e o respectivo
catálogo disso nos dá conta:
43 – As pápas - L.1,20 – A.0,85 - (Pertence
ao Ex.mo Sr. Dr. F.)
44 – No forno – L.0,54 – A.0,45 – 300$000 [13]
No forno
tem, além disto, direito a reprodução no dito catálogo.
É então, a propósito desta apresentação em Lisboa, que
teremos escritos e impressões mais completas sobre estes quadros. De Fialho, parte
já foi citada, mas vale a pena ler tudo. Pelo que o deixaremos na íntegra em
novo artigo já a seguir… merece!
Quanto a o Occidente,
de 30 Abril de 1899, em artigo assinado por «R», dá-nos conta do encerramento da
mostra cinco dias antes com a presença do Rei e da Raínha, e sobre Malhoa,
depois de se encantar com o retrato de Eugénia Relvas e seus filhos, diz-nos: «…
As papas e No forno que são duas telas preciosas, a ultima de um colorido vivissimo
mas sem crueza e antes harmonioso e alegre.»
JMalhoa. As Papas «estudo», c.1897. ost, 60x54. ver [6]
4 Jan. 2013. LBG
[1] Carta de JMalhoa a Manuel Henrique Pinto, c.p.
[2] No Catálogo da 8ªGA, está indicado como tendo
40x55.
[3] No seu registo pessoal «Receita | Despeza», em Dezembro de 1898, Malhoa esclarece tudo:
«”As papas” quadro exposto no “Salon” em 1898, vendido ao Dr. Francisco Falcao,
de Constancia – 500$000». E logo abaixo: «”As papas” estudo para o quadro acima
exposto na exposição do “Gremio Artistico” em 1898, vendido por intervenção do
José Relvas, á Exmª Snrª D. Maria do Ceu Mendes – 200$000».
[4] No que toca à tal criada e a uma alegada ida
d’As papas, de novo, ao Salon de
1900.
Esclareçamos: ao contrário do comummente escrito, não
volta a haver “papas requentadas” para ninguém. O catálogo oficial de 1900 é
omisso, mas no seu exemplar, no local exacto, entre os nºs 874 e 875, Malhoa
anotou a caneta «874a – Malhôa (J) – Retrato Condçª Mossamedes». (Entre ambos,
em comum, só mesmo os bigodes das velhas…) Para lá do que já referimos antes – ver
artigo de The Studio e nota 8.
E porque tal mito não deve ter nascido de geração
espontânea, a única explicação para a sua existência reside numa legenda da
reprodução do estudo a carvão de As papas
(o “dos Patudos”, o “da galinha e da poia”) publicada no Catálogo da Exposição
do Rio de Janeiro, 1906, em que tal indicação aparece inopinadamente e terá
feito escola…
[5]
Que também aqui se volta a repetir. Mais uma vez as novéis fichazinhas CRJM/0346 e CRJM/0350 mostram-se muito pouco
recomendáveis.
[6] Ele há pelo menos mais umas Papas, um dito «estudo», uma tela com 62,5x55, onde apenas vemos a velha do segundo plano – a “pior das
velhas” – aqui, aparentemente, bem “melhor” que a velha do quadro definitivo…
Neste «estudo» aparecem ainda, no plano mais próximo, o prato da outra velha
e a mão desta segurando a colher donde escorre o mel sobre as papas de milho, como se a outra velha, «a do primeiro plano», tivesse sido abruptamente cortada - todavia, observação atenta do verso do quadro dá para perceber que nada mais terá sido pintado no resto da tela. E, pelo seu tamanho e pelo seu historial, este
não deverá ser o quadro da 8ª do Grémio, o tal vendido à D. Mª
do Céu Mendes. Tratar-se-á, assim, de uma outra versão, parcial, de As papas.
[7] Datado de 1897 no catálogo da Grande
Exposição de Homenagem de 1928, onde são indicadas as dimensões 43x52.
Ligeiramente diferentes dos 45x54 constantes no catálogo da 9ªGA, 1899. Contudo, aparentemente e pela ampliação de uma outra fotografia, parece ter sido datado de 1898...
[8] ALMEIDA, Fialho de - in A Patria, 21 Abril 1899. Artigo
republicado in Á Esquina (Jornal d’um
vagabundo). Lisboa: Livraria Clássica Editora, 5ª edição, 1923, p.178 a
182. E que poderá ler na íntegra aqui.
[9] É por esta data que Malhoa pinta o João Semana, 1897, personagem de As Pupilas do Senhor Reitor. Depois,
seguir-se-ão muitas outras “minhotas” figueiroenses em A corar a roupa, c.1899, As cebolas, c.1900, A Descamisada,
1903, a Clara (ela mesma) Torcendo a roupa,1903, O Soalheiro, 1904, vários Cuidados de Amor, c.1905, 7º não furtar… as uvas do Sôr Prior,
c.1905. e As Pupilas do Sr. Reitor (as próprias), 1906… - quase todos com
lucrativa passagem pelo mercado brasileiro.
[10] Lepage, in Art Meridional, 11 Julho 1898, apud
Matilde Tomaz do Couto, in Malhoa e
Bordalo, confluências duma geração. Caldas da Rainha: IPM-MJM, 2005, p.16.
[11] Reforme,
12 Junho 1898, apud idem, p.17.
[12] Tuster, in Monteur Universel, 5 Junho 1898, apud idem, p.17.
[13] Como se pode ver, No forno apresentava-se para venda em 1899. E Malhoa dar-nos-á disso
conta, em Abril 1900, quando escreve, no dia «18 - Venda ao Balthazar Cabral do quadro “No
forno” – 250$000». (Aliás o mesmo proprietário que aparece no catálogo da Grande
Exposição de Homenagem de 1928). Pelo que se não percebe como é que o mesmo quadro poderá
ter sido «Comprado por José Relvas em Dezembro de 1897, por 200$000 réis» -
como nos querem doutamente fazer crer… Mais um mistério!?
Podemos esclarecer:
na tal data e pelo tal preço, Relvas comprou um quadro, sim, mas O mineiro. E só deste Malhoa assentou a venda. Afinal, mais um pormenor… e
muita paciência.
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