Hoje faz anos que morreu Júlia Malhoa. Hoje, 2 de Janeiro. E não noutro dia qualquer…
«…às nove horas e zero minutos do dia dois do mez de janeiro do ano de
mil novecentos e desanove, numa casa da Avenida cinco de Outubro, seis, da
freguesia de São Sebastião da Pedreira, desta cidade, faleceu de embolia, um
indivíduo do sexo
feminino de nome Juliana Júlia de Carvalho Malhoa,
de sessenta e quatro anos de idade...» reza o assento de
óbito, a fls 1 vº e Nº3 do L14 da 3ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa
relativo ao ano de 1919.
Quer
isto dizer que, mais uma vez, alguém perdeu uma bela ocasião para estar calado,
quando, após mais uma leitura apressada de um postalinho, vem corrigir o que
não tem correcção e põe em causa o que Matilde Tomaz do Couto escreveu em 2005,
e pelo visto bem, quando nos refere «o falecimento da esposa, nos primeiros
dias de 1919…»
“Quem, com ar doutoral, corrige o que está certo, ou é tolo ou pouco esperto…” - não diz o povo, mas bem podia dizer.
Juliana
Júlia de Carvalho Malhoa (1853-1919) foi a companheira dedicada de José Malhoa
durante praticamente 39 anos. O amor de toda uma vida.
Que
se saiba e agora me recorde, Malhoa pintará apenas quatro retratos de Júlia.
Este,
que agora vemos, datado de 1883. Retrato que Malhoa sempre manteve no lugar de
honra de sua casa, deixando disposições testamentárias no mesmo sentido.
Um
outro, existente no MJM, possivelmente anterior, ainda de fraca mão, com uma
Júlia “hespanholada” de leque, mantilha e olé!
E que pode ver aqui.
E que pode ver aqui.
Outro
mais, de poucos anos depois, onde Júlia é retratada, de corpo inteiro, sentada
a bordar ‘en plein air’ no Cabeço do Peão, em Figueiró dos Vinhos – pequena
tábua exposta em 2002 e que faz ‘pendent’ com uma outra em que MHPinto retrata
Mª da Conceição, sua mulher, nos mesmos propósitos.
E,
finalmente, o magnífico Retrato de Minha
Mulher, 1914, do MNAC-MC, outra tábua que nos mostra o perfil de Júlia,
meio de escorço, recortado sobre um fundo de flores impressivo. Quadro que
Malhoa fez questão de doar ao Museu logo após o falecimento da sua querida
Júlia.
Debrucemo-nos, por agora, sobre o Retrato de D. Júlia Malhoa, 1883, quadro apresentado pela primeira vez nesse mesmo ano, na 3ª Exposição de Quadros Modernos do Grupo do Leão.
Não sendo nenhuma
obra-prima, tem a importância que tem.
Trata-se, que me
recorde, de um dos primeiros retratos formais que
Malhoa executa e mostra em
público [1] - com pincelada
aplicada, apresenta-se, agora e também, como Pintor de Retrato. Inaugurando assim a extensa galeria de burgueses e aristocratas, suas mulheres e filhas, que lhe farão «bicha à porta do atelier». Ao mesmo tempo, apresenta-nos, três anos após o
casamento, a sua própria mulher como Senhora de Sociedade - formal, forçadamente de gorro e estola de peles, e
bouquet de rosas finas, como nunca mais a veremos. Quem sabe se numa tentativa de exorcizar de vez [2] uma mácula de concepção?!
Sobre este Retrato de D. Júlia Malhoa convém lembrar que, contrariamente à generalidade das críticas que sempre a seu propósito são
recordadas [3], Ramalho Ortigão
também se lhe refere.
Se, no ano anterior, já havia elogiosamente escrito «Malhoa, que em
outras exposições nos mostrava interessantes documentos da sua viva e corajosa
aptidão, aparece-nos agora como um luminista extraordinário à Cláudio Loreno» - antecipando em mais de um século teorias que se querem novas -, em 1883, o grande Ramalho Ortigão dirá sobre este quadro «O retrato nº 53, de
Malhoa, é o único acabado nesta exposição. Esta qualidade, junta à de uma
semelhança perfeita [4], torna-mo extremamente simpático, e fez-me esquecer, para
aplaudir o autor, de uma certa anemia de empaste e de uma dominante de acorde
em cor-de-rosa, que prejudica a intensidade nervosa da expressão na figura».
Para Malhoa, está
visto, mais valeu um Ramalho na mão que dois Monteiros a voar… E as «bichas à porta do atelier» não
demoraram a formar-se…
Publicado originalmente em 2 Jan. 2012. LBG.
[1] Que a estória do Retrato de Joaquim Malhoa ser obra
anterior, é treta e já antiga, de outra ‘pena brilhante’ - a de Montez… Mas,
basta olhar e ver…
[2] De vez, ou, pelo
menos, nos 127 anos seguintes - até um pobre palerma resolver que a História
d’Arte se faz com conversa de soalheiro…
[3] Refiro-me, entre
outras, às críticas demolidoras então publicadas por Monteiro Ramalho ou Emídio
de Brito Monteiro, e que sempre vêm à baila quando disto se fala... A de
Ortigão, sabe-se lá porquê, tem ficado no limbo.
[4] Pode ver aqui, em fotografia da época, Júlia Malhoa com o mesmo gorro e a mesma gola de rendas, mas sem a estola ou casaco de pele.
Adenda
Porque parece que ainda há dúvidas, ou há quem não queira ver...
Diz uma recente e douta nota a propósito deste quadro: «Primeiro retrato exposto por Malhoa, se concordarmos com a data atribuída por alguns autores...» e logo a seguir vem mais parvoíce.
Ora, não temos de concordar ou deixar de concordar, e os autores não são alguns - é o próprio Malhoa, que assina e data a tela: «Malhoa 1883». Como se pode ver ampliando esta mesma foto (no canto inferior esquerdo).
Fica percebido?! O resto, diz-nos Ramalho Ortigão. E as parecenças ou «semelhança perfeita» com fotos e retratos de Júlia.
Dúvidas, se as houver, será sobre quem seja a retratada num desenho a carvão, talvez do mesmo ano (?), alegadamente, e não se sabe bem porquê, que se diz representar Júlia Malhoa (?) ...
Será que não temos olhos na cara?
10 Nov. 2012. LBG
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