Provocando, 1905, é um quadro
de José Malhoa, um retrato de Manuel Henrique Pinto.
É um quadro
muito curioso, envolto nalgum mistério. Tal como o retratado, anda perdido,
meio esquecido, e quando se escreve sobre ele normalmente sai asneira. Bom,
pois, para começar estas notas.
Assinado e
datado de 1905, não consta ter sido alguma vez exposto em Portugal. Contudo,
por essa altura, algumas referências e reproduções suas aparecem na imprensa,
mormente em artigos relacionados com a grande exposição que Malhoa se preparava
para levar ao Rio de Janeiro no ano seguinte. Acontecimento único que merece visitas Reais, nas
vésperas do embarque, aos quadros ainda no atelier do Pintor. E prosa solene de
Ramalho Ortigão, outro dos que também ali vão patrocinar a nova viagem
cabralina a Terras de Vera-Cruz.
Entre as
cento e doze obras que constam do Catálogo da Exposição do Rio de Janeiro,
1906, Provocando é o nº 30 e abre a
série de dezassete fotos que ali são reproduzidas.
O rol tem
ordem estabelecida e é encimado, como manda o figurino, pelo Retrato de Sua Magestade El-Rei D. Carlos I e
pelo Retrato de Sua Magestade a Rainha
Senhora D. Amélia, seguem-se as Cócegas
(Salon Paris 1905), O sonho do
Infante – (O Infante D. Henrique no promontório de Sagres) e por aí fora…
Hoje em dia, parece que já não há respeito e tal lista aparece numa
bagunça - depois, enganam-se e enganam-nos…
Nada sabemos
sobre as dimensões ou o suporte de Provocando. Algumas crónicas
de 1906 falam de um quadro pequeno, «um quadrinho de palmo», tal faz supor que
assim seja e se trate de uma pequena tábua. (A fotografia que se publica em "adenda" no final deste artigo tirar-nos-á a maioria das dúvidas.)
A última
notícia credível que dele se tem data de 1906, na tal exposição individual no
Rio. Pelo seu próprio punho, Malhoa deixou a seguinte nota manuscrita: «Junho
29 – Exposição no Gabinete Português de Leitura no Rio de Janeiro – Preço
porque vendi os quadros em moeda brazileira – (…) 30 - Provocando E. P. Guinle - 2:844$400», também refere que ao mesmo Guinle terá vendido o
«27 - Viúvo! Eduardo P. Guinle - 1:000$000».
E de S.
Paulo directo para aqui, uma nota amiga que não resisto a transcrever:
«...os
Guinle são uma família abastada do Rio de Janeiro, já foram muitíssimo ricos,
elite famosa por suas festas e boa vida. Eduardo Pallasim Guinle foi o
patriarca da família, que era concessionária do comércio do café no Porto de
Santos, isto quer dizer que eram donos do monopólio do produto mais importante
da virada do século no Brasil. Receberam a concessão da Princesa Isabel,
provavelmente pelas relações com o Conde d'Eu. No século vinte, nos anos 40 e
50, foram conhecidos por serem donos do glamuroso Copacabana Palace, o hotel
mais refinado do Rio de Janeiro. Viraram uma dessas famílias decadentes, mas
ainda com prestígio e cultuadas nos meios da high society carioca. Tiveram um
pintor na família, Jorge Guinle, morreu jovem nos anos 1980, ceifado pela praga
da Aids infelizmente - muito bom artista. Não confundir com o playboy Jorginho
Guinle, cujos feitos contam ter conquistado inúmeras atrizes como Rita
Hayworth, Marilyn Monroe, Ava Gardner, Marlene Dietrich (o que duvido
muito...)»
Provocando
faz parte de uma série de retratos (ou serão “género” ?! – sobre tal assunto, e
respectivos critérios “científicos”, lá iremos em próxima oportunidade…) uma série
de retratos, dizia, que Malhoa pinta durante a primeira década do séc. XX,
tomando como modelos alguns dos seus amigos mais chegados, e ao jeito dos
clássicos que mais admirava. Chamemos-lhes antes um divertimento
"RembrHalsista-Velazquista" (pois já se percebeu que a novel e
renomada teoria Tenebrismo vs. Luminismo “vareia” consoante uma tela acaba de
ser limpa ou a sua reprodução aparece com as cores mais avivadas …), diversão esta
levada a sério, e donde resultam belos retratos que Malhoa não hesita a levar aos
principais salões internacionais.
L’Homme au Capuchon / O Homem do
Gorro (Retrato do
fotógrafo A. Novais), 1901, Cabeça de
Estudo (Retrato de M. Henrique Pinto), 1902, Chevalier de Saint-Jacques / Cavaleiro de Sant’Iago (Retrato de A.
Lobo da Silveira), 1904, Provocando
(de novo um Retrato de M. Henrique Pinto), 1905 e, finalmente, o Retrato de Veríssimo José Baptista,
1910, são as pinturas mais significativas desta série de gorros, chapéus e
golas seiscentistas, iniciada talvez, ainda em 1895, com a dramática Cabeça de Velho (actualmente na CMAG).
Resta
acrescentar, a esta história, o seguinte: todas as notícias posteriores a 1906, data da sua venda no Rio, serão de muito duvidosa credibilidade.
Referências à participação deste quadro
na Exposição Panamá-Pacífico de 1915, em S. Francisco da Califórnia; ou na
Exposição de Homenagem a Malhoa de 1928, na SNBA em Lisboa; umas notas pomposas
que lhe atribuem umas alegadas medidas de 80x70... etc., não passam de pura
fantasia.
Acontece que em 1913 Malhoa pintará
uma outra tela, actualmente no Museu Abade de Baçal em Bragança - A Provocante. Este novo quadro, que
retrata uma jovem senhora, como o nome indica, em atitude provocante, cativou
sobremaneira Cruz Magalhães, então grande amigo do Pintor.
Ora, Cruz Magalhães,
além de ficar proprietário d' A Provocante, publica na Illustração Portugueza, logo em 1913, uns versinhos
pífios sobre tal quadro intitulados «Provocando» - os versos, bem entendido!.
Como é bom
de ver, rapidamente A Provocante
passou a «Provocando» - ademais com o
outro, o original, "exilado" e perdido do lado de lá do Atlântico.
E, daí para
cá, a confusão tem sido constante, levando ao engano os mais insuspeitos
autores. Muito provavelmente o quadro que vai a S. Francisco já é o da
rapariga, e o que estará presente em 1928 no salão da SNBA, na Exposição de
Homenagem a José Malhoa - o tal com 80x70 - é, de certezinha, o da serigaita… há fotos (pode ver aqui) que o atestam.
Ainda hoje
chamam «Provocando» a A Provocante,1914. Como se o outro – este
que acima recordamos - nunca tivesse existido.
Publicado originalmente em Dez. 2011. LBG.
Publicado originalmente em Dez. 2011. LBG.
A propósito de A Provocante: 1913 ou 1914 ?
duas notas e uma rectificação.
duas notas e uma rectificação.
Vai para quatro anos, deixei aqui umas notas que hoje considero um bocadinho parvas. O tempo tem destas coisas, quanto mais não seja a gente vai aprendendo e, sabendo mais qualquer coisa, mudamos de opinião. Ficam portanto as notas, mas revistas e rectificadas.
A primeira nota baseava-se no facto de a Illustração Portugueza de
2 de Junho de 1913, a que no interior reproduz os versinhos de Cruz Magalhães, publicar
na capa a foto de A Provocante.
Ora, se em meados de 1913 já fora fotografada para a revista,
aparentemente prontinha e tão inspiradora da verve poética do Magalhães, tal
quereria dizer que a pintura seria datável desse ano e não de 1914, como surge
muitas vezes e sempre associada ao tal título abastardado. Acresce que, em
várias publicações, tal quadro é dado como assinado mas «não datado»…
Parecia-me assim óbvio que não só o título mas também a data seriam merecedores de contestação.
Acontece que recentemente voltei a ver o quadro com tempo e olhos
de ver - está por estes dias no Museu e Centro de Artes de Figueiró dos Vinhos.
E para meu espanto, ou porque a iluminação é melhor ou porque o quadro foi
objecto de uma limpeza, estes meus olhinhos viram, sob a assinatura de José
Malhoa e distintamente, a data de «1914».
Pode, e será certo, que o quadro é obra de 1913, mas Malhoa
assinou-o e datou-o de «1914».
E nisto, quando o Malhoa “fala”, eu abaixo as orelhas!
Seja pois A Provocante, 1914 – e não se fala mais nisso!
Mas A Provocante, se fazem o favor!
A segunda nota era sobre a foto onde Malhoa desce as escadas, «de braços abertos, ao encontro do seu dedicado amigo Magalhães».
Levantava eu algumas dúvidas sobre esta fotografia, se seria ou não bastante anterior à data da referida publicação, e afirmava que, contrariamente ao escrito algures, aquilo não é «no Casulo»…
Sobre a data, hoje, vistas melhor as coisas, o mais natural é que
seja próxima da publicação. Anterior, como é óbvio, mas nada indicia que não
seja dessa época em que Magalhães mais se insinuou junto de Malhoa.
Agora, quanto aquilo ser «no Casulo», santa paciência! - quem tal escreve ou
percebe pouco disto ou anda muito distraído…
As escadas fotografadas são as das traseiras da Av. António Maria
do Avelar, hoje 5 de Outubro, e que já não existem. São as escadas que davam
directamente para a Sala de Jantar, as que, viradas a Sul, tinham melhor luz
para fotografar…
Dizer que são «as do Casulo» é, no mínimo, ligeireza.
Dez. 2015. LBG
Ao jeito de adenda: uma foto que não engana
E aqui fica uma fotografia da época, publicada em 1906 na revista brasileira Renascença, aquando da Exposição de Malhoa no Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro. [1]
Deixemos de lado, por agora, a panóplia de quadros que se vêem do lado direito da fotografia. Concentremo-nos à esquerda.
Bem lá ao fundo, vemos os dois grandes retratos reais [e são dois, um Rei e uma Rainha, e a foto não os mostra "do avesso"...] - o Retrato de Sua Magestade a Rainha Senhora D. Amelia e o Retrato de Sua Magestade El-Rei D. Carlos I - encomendados pela Real e Benemérita Sociedade Portuguesa Caixa de Socorros D. Pedro V a quem Malhoa vendeu por «7:000$000» cada um «em moeda brazileira». Ainda no plano longínquo, e logo à frente dos dois retratos, percebe-se O Vinho verde (pintura que terá 40x60) (o nº10 do catálogo e que seria vendido ao Visconde de Moraes por «3:000$000»).
Uns bons quarto ou cinco metros para cá - segundo as leis da perspectiva, vendo-se em maior tamanho - distingue-se O Azeite novo (que se sabe media cerca de 52x39) (o nº16, vendido a João Borges por outros «3:000$000») e, sob este, no mesmo cavalete, o que poderá, sem certeza, ser As sardinhas (do qual se ignora tamanho, e que seria um pouco maior que o anterior).
E, logo ao lado, quase no mesmo plano e escala, lá está ele: Provocando. Enquadrado em grossa moldura (parece ser feita com o mesmo perfil da de As sardinhas) ali vemos o tal «quadrinho de palmo»! De «palmo», não mais que isso!
Depois, venham cá com estórias...
[1]. Foto que me foi enviada, faz uns anos, pelo meu caro amigo Arthur Valle, a quem muito agradeci.
Jun. 2024. LBG.
Para uso numa fugaz curiosidade, informo-o que as suas palavras adornadas de uma paixão pela ARTE e o conhecimento tão vasto destas personagens esquecidas da nossa História da Arte obrigaram-me a permanecer no seu blogue horas infinitas! Cheguei até aqui porque procurava a data do retrato que Marques de Oliveira fez de Soares dos Reis...levo muito mais do que isso, muito obrigada! Também sou uma admiradora de José Malhoa, mas no nível dos iniciados.
ResponderEliminarAinda bem que servi para alguma coisa! Obrigado pelas amáveis palavras. Volte sempre...
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